A pedidos,apresento uma sistematização da Psicoterapia Vivencial.

Existencialismo: teoria e prática.
Tereza Erthal*

De acordo com Bornheim(em Erthal,1992), o homem atual está andando
na corda bamba que se estende entre a segurança do humanismo
triunfante, em busca de um eu autônomo,e, de outro extremo, os
discursos sobre a dissolução do eu, sobre a robotização e a fuga que
empurra o homem a sentir-se deslumbrado em deixar-se ser objeto.
Historicamente, a ponderação sobre o humano é a ultima a surgir; antes
vieram os astros. Mas cada cultura inventa um homem e uma concepção
da realidade humana afastada da fixidez dos astros. Os que buscam
compreender o homem, tentam desenvolver concepções para entender as
expressões de sua instabilidade, interpretando a realidade humana como
um conjunto de possíveis. Na verdade, são muitas as perspectivas de
analise de tal realidade humana, dentro e fora da Psicologia: existe a
História, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia. O homem é
interdisciplinar e não há como esgotar esse entendimento através de
qualquer pretensão de uma única visão. Porque tais contribuições são
plurais, isso não significa anular as suas próprias construções. O
Homem é diálogo e toda a reflexão racional que busque dizer aquilo que
ele é talvez tenha que partir do diálogo.
Nos tempos atuais, psicoterapias que exaltam a capacidade do homem
de olhar para si de uma forma mais destemida e mais responsável, dando
a ele um domínio maior de ação, têm sido mais disputadas. As pessoas
estão, cada vez mais, procurando tratamentos que as levem a se
responsabilizar mais por elas mesmas, entender a trama em que se
envolveram na vida, buscando soluções mais ligadas ao presente, livres
de tantas abstrações. Um olhar presentificado é o que se procura mais
fortemente hoje, na tentativa de, mais do que resolver problemas
diários, compreender e assumir as rédeas de sua vida.
Existencialmente falando, o individuo deve se responsabilizar por si e
pelos outros, e deve ser levado a assumir a completude de sua
liberdade. “Terapia é pedagogia: cura e educa e nesse processo existe
necessariamente a presença do outro.” ( Bornheim,em Erthal,1992)
A Terapia Existencial procura obter respostas especificas a
perguntas especificas: Como o individuo escolheu viver a vida que
vive? Como este sujeito experimentou a sua situação, de maneira única,
propriamente a sua e de mais ninguém? As respostas dos deterministas
se baseiam nas estruturas genéricas, mas isso não leva à compreensão
de um exemplo individual. Não se pode reduzir uma pessoa a um único
conceito explicativo genérico. Cada pessoa realmente tem uma forma
própria de viver a situação escolhida. Não se trata de fazer o
individuo tomar consciência de si, pois ele é um ser auto-consciente
sempre nesta filosofia; trata-se sim de fazê-lo tomar conhecimento de
si ( nem sempre a consciência é cognoscente). É a descoberta do
Projeto Original: o que determinado individuo fez de si mesmo.
Cada escolha representa a minha decisão sobre a espécie de homem que
eu sou, a vida que levo, o mundo em que vivo. Tais escolhas não são
episódicas, mas, ao contrário, integram-se às demais em uma
totalização em curso. Em um ato, por mais simples que seja, representa
a pessoa inteira, expressa toda a realidade humana. Cada gesto
representa o que somos inteiramente. Não vemos o individuo como uma
coleção de traços (temperamento, desejo, emoção…), mas como uma
unidade sintética. Dessa forma, o individuo não possui potências
ocultas, revelando um aspecto de si de cada vez, enquanto as demais
repousam. A realidade humana se anuncia pelos fins perseguidos
(projeto). Não é o passado que determina quem somos, mas o futuro.
Isso não quer dizer que a história não faça a sua contribuição, mas o
peso é diferente do que em outras abordagens. Ao homem cabe a plena
consciência de sua livre escolha, consciência de sua responsabilidade
e jamais ser visto como resultante de leis gerais. A sociedade humana
é uma “anti-phisis”: ela não sofre passivamente a presença da
Natureza,ela a retoma em mãos. Esta retomada de posse não é uma
operação interior e subjetiva; efetua-se objetivamente através da
práxis.
Apresentado este panorama geral sobre a terapia existencial,
estamos prontos para examinar alguns de seus conceitos e método.
A Filosofia tinha posto o conhecimento como um fim e a razão como
meio, construindo assim sistemas para chegar à essência das coisas.
Isso levou à perda de contato com a existência mesma. “a busca da
essência não é se não um artifício dos homens que tratam de fugir da
realidade, esquematizando-a; o pensamento não tem validade se não leva
em conta quem o pensa”(Kierkegaard,1941)
O Existencialismo se propõe ao enfrentamento com o individual,
irreptivel de cada ser, com sua existência. A famosa frase “A
existência precede à essência”, bem formulada por Sartre, expressa que
o homem se faz a si mesmo. Sem duvida, Kierkegaard foi o pai desta
idéia, mas sua obra pareceu perder-se, inicialmente; a ressonância do
seu pensamento só apareceu após a primeira guerra. Heidegger ouviu o
chamado e, de posse dos ensinamentos de Husserl sobre fenomenologia,
construiu o existencialismo alemão. Mas ele também não teve seguidores
imediatos. Após a segunda guerra, outro pensador influenciado por
Husserl, segue os passos de Heidegger e traz uma nova contribuição:
Jean-Paul Sartre. O Existencialismo não constitui uma escola ,mas uma
tendência a filosofar que se apresenta em diferentes lugares, através
de diferentes homens: na Espanha, Unamuno e Ortega e Gasset; na
Alemanha, Karl Jaspers; na França, Albert Camus e Gabriel Marcel;
Buber e Berdiaeff, assim como outros, também foram deixando suas
marcas.

1.Noção de Existência; núcleo básico do ser humano,o que realmente
fica se lhe retiramos todos os contingentes. É o que fica como ultimo
núcleo indefinível quando se tem prescindido de tudo que pode
enumerar-se ou qualificar-se, uma vez que a existência cria tudo isso
à medida do seu desenvolvimento.
2- Liberdade: o Existencialismo parte da premissa de que os seres
humanos não podem fugir à sua liberdade e que esta liberdade não é
feita ao acaso, mas como uma escolha responsável. Por ela o homem
escolhe o que quer ser e, assim, sua essência. O homem é o que se
projeta ser e não existe antes deste projeto. Sartre denomina Projeto
Original à escolha que a pessoa faz de si. “Liberdade é existência e
nela a existência precede a essência” (Sartre,1943,p.433). O individuo
se faz na medida em que é feito pela situação e pelos acontecimentos.
Ao mesmo tempo em que se define, é definido por outro e nessa mescla
de passividade e atividade, precisa reinventar-se sempre.
3-Consciência e transcendência: não sendo uma entidade, a existência
se constitui como uma relação constante consigo mesmo e com o mundo.
Esta relação se caracteriza por sua transcendência. No latim,
“existire” significa “fora de”, o que significa que existir é
transcender-se. O existir humano é continua criação, um poder ser. O
homem não está pronto, precisa construir-se e este processo não é
determinado por nada além dele mesmo.
A consciência é definida como um vazio que se desliza para o objeto a
que intencionalmente se dirige, na tentativa de se preencher. É uma
visão relacional tendo em vista que a consciência não existe sem
objeto, da mesma forma que o objeto não pode existir sem uma
consciência (princípio da Intencionalidade de Husserl). A consciência
é, então, mais um ato de captação do objeto nas formas de percepção,
imaginação, emoção, etc. A amplitude desta captação indica que a
consciência é sempre consciência do mundo.
“O ego não está formalmente nem materialmente na consciência. Está
no mundo- é um ser-do-mundo, como o ego do outro… É a consciência
que torna possível a unidade e personalidade do meu eu. .. A
existência da consciência é um absoluto porque a consciência é a
consciência de si mesma… O objeto está frente à ela com sua
opacidade característica, mas ela, ela é pura e simplesmente
consciente de ser consciente desse objeto, tal a lei de sua
existência.”( Sartre, 1936,p.22) Existe então a consciência
irreflexiva,de primeiro grau,que é uma consciência vaga, não
posicional de si; e a consciência reflexiva, ou de segundo grau, que é
a consciência de se ter consciência de algo.
4-O ser-no-mundo: o homem não existe só, nem em relação exclusiva com
sua corporeidade. Ele é um ser-no-mundo que cria o mundo, mas, ao
mesmo tempo, é criado por ele. O mundo e o homem são, na verdade, um
só; não poderiam existir à parte. O ser só existe na medida em que tem
um mundo e vai criando este mundo na medida em que é consciente dele.
O mundo é um conjunto de relações com os demais e com as coisas que se
vão tecendo na vida de cada ser à medida que ele vai desenvolvendo na
existência sua concepção de mundo e de si mesmo: seu projeto de ser.
5- A angustia e o nada: é um fato ontológico, uma característica do
existente como tal. A angustia de liberdade conduz o individuo a
procurar-se nas coisas, o que é uma maneira de fugir de si mesmo.
Longe de ser considerado um sintoma patológico, trata-se de uma
valiosa experiência já que, ao aparecer, nos faz conscientes de nossa
existência e nos obriga a vivê-la como tal. É o medo de nada, já que
diferente do medo, não tem um objeto especifico. Surge quando o nada
irrompe e comove o nosso ser. O nada é o que determina a existência
das coisas. Sartre nos diz: “O que conta em um recipiente é o seu
vazio interno.” É o que não existe que determina a construção do que
existirá.
6-Culpa: também ontológica, aparece quando o individuo falha na
realização de suas possibilidades, quando renuncia a sua liberdade e
se aceita objeto.
7-Método fenomenológico: método proposto por Husserl que se indignava
com a utilização do método das ciências naturais aplicados a tudo,
especialmente à Psicologia. Por meio da reflexão, podemos nos isolar
do exterior e dirigir nossa atenção à nossa consciência. O foco não é
o objeto externo, mas a vivência que temos dele, o ato mesmo pelo qual
o percebemos e o conhecemos. Isso livra a percepção das limitações de
perspectiva. O conhecimento é direto, intuitivo, sem necessidade de
qualquer significação, já que o sujeito e o objeto são um só e o
conhecimento se fixa no ato de conhecer. Mas para isso é necessário
colocar entre parênteses tudo o que possa vir a interferir neste
processo de captação; todo o nosso próprio estado psicológico. Chamou
este processo de redução fenomenológica que extrai tudo o que é
externo ao processo de vivência. Assim, conhecer absolutamente algo é
ser capaz de captá-lo em todos os seus aspectos e características. O
conhecimento comum capta apenas parcialmente, enviesadamente, enquanto que a forma proposta por Husserl capta o próprio ato captador: a consciência do objeto. O que se investiga e quem investiga, sujeito
objeto são um só, pertencendo à mesma corrente de consciência e,
portanto, podemos chegar a conhecer absolutamente. Se podemos chegar a
conhecer absolutamente o ato de conhecer, podemos chegar ao
conhecimento absoluto do objeto. Como método terapêutico, é uma forma
de captação da realidade do cliente, tal como é vivida por ele,
através do seu olhar. Na verdade, esse é o maior objetivo da terapia:
a compreensão do mundo de cada sujeito, tal como ele o vivencia.
Ajusta-se, pois, como um método que estuda o individuo como
ser-no-mundo, como existente, e a captação do sentido do seu projeto
de ser.

Existencialismo na Psicoterapia:

“ Esta abordagem é baseada na compreensão do cliente como uma
totalidade; os fatos particulares nada significam. O objetivo é
descobrir as mediações para compreender o individuo concreto singular.
Procura compreendê-lo como criador do seu mundo e de si mesmo. Assim,
detectando os padrões comportamentais, chegamos ao projeto original
pelo qual o individuo se faz uma pessoa. O individuo se define por seu
projeto, por ser capaz de fazer e desfazer o que fizeram dele. O
objetivo é decifrar os comportamentos empíricos do individuo, isto é,
dar luz às revelações que cada um deles contem .”( Erthal,2010,p.210)
Seu ponto de partida é a experiência; seu ponto de apoio é a
compreensão pré-ontológica e fundamental que o homem tem da pessoa
humana. Tenta descobrir, de forma rigorosamente objetiva, a escolha
subjetiva pelo qual uma pessoa se faz uma pessoa. Para tal, usa um
método comparativo e descritivo, o método fenomenológico, como um meio
de compreender a realidade transformada em uma atitude terapêutica
fundamental. Cada conduta simboliza a escolha fundamental e, ao mesmo
tempo, cada uma delas esconde esta eleição sob seus caracteres
ocasionais e sua oportunidade histórica, de forma que é pela
comparação delas que chegaremos à revelação do que elas expressam..
Como a vivência é o ponto mais importante deste trabalho, a ênfase
só pode estar no momento presente. A concepção é do tempo dinâmico: o
presente não é estático, já que contem o passado e o futuro enquanto
percebidos pela pessoa. A grande importância da presença do terapeuta
está em que ele espelha as intenções de seu cliente; descreve seu
experienciar conforme expresso na relação. O terapeuta é a testemunha
ocular do compromisso que o cliente passa a estabelecer consigo mesmo.
Entre ambos existe uma ligação fundamental e nela se manifesta uma
modalidade de presença do outro irredutível ao conhecimento que se tem
do objeto. “O outro é, por principio, aquele que me olha.”
Sartre(1945,p.315) Este olhar remete o cliente a si mesmo.
“A compreensão empática é o pilar do encontro terapêutico.
Possibilita a percepção do sentido concreto e vivencial do mundo
pessoal que o cliente se atribui, permitindo a compreensão molar de
seu discurso. Não há uma analise reflexiva ou mediações lógicas, mas a
percepção sintética e imediata do vivido pelo cliente. A empatia é
essa comunhão afetiva na qual um se coloca no lugar do outro para
perceber o seu mundo fenomênico… A autêntica redução fenomenológica
se faz possível pela compreensão empática… (Erthal,2010,p.216)
Inicialmente, o terapeuta permite que parte de si se torne o cliente.
Depois,constrói um modelo para o cliente,uma replica de suas
observações e “insights” e transforma as palavras do cliente em
imagens e sentimentos de suas lembranças e expressões. Sua atenção
está focada naquilo que o cliente provoca nele através de suas
expressões verbais e não verbais…(Erthal,p.217)
A cura é a aceitação da condição humana (conjunto de limites que
informa a nossa situação no universo), que é o surgimento do ser no
nada. É encontrar em si mesmo os valores, é não fugir da liberdade
como tal, nem deixar-se escorregar pela desculpa da essência. De posse
do seu auto-conhecimento, o cliente se faz consciente daquilo que
deseja modificar em si mesmo, pois se sente com capacidade para
tal,seja mudando o seu projeto, seja usando outras maneiras de ser
para realizá-lo.
“As contribuições nucleares desta filosofia podem ser descritas como
liberdade, escolha, risco, angustia, culpa, etc, como expressões de
uma compreensão de si (em Kierkegaard), como expressão de uma busca e
uma filosofia da existência (Heidegger e Jaspers), e como preocupação de analisar a pessoa concreta e única (Sartre)”.( Erthal,2010,p.205)
Como expressões da aplicação deste pensamento à pratica clinica,
encontramos L. Binswanger, M.Boss, E. Minkowisky,V. Frankl, R. Laing.
Rollo May introduziu estes autores nos Estados Unidos, mas esta
importação sofreu uma aclimatação aos valores da cultura americana já
embebidas nas idéias humanistas.
Não podemos dizer que exista uma única terapia existencial, mas
varias formas de colocar seus pressupostos em prática. Assim como na
filosofia existe uma unidade nas aparentes divergências, nas diversas
modalidades de terapia existencial isso também ocorre. A diferença
radica na forma como o terapeuta compreende o processo e o centraliza
na prática. Binswanger define terapia como “um tipo antropológico de
investigação cientïfica, isto é, em que está dirigido à essência do
ser humano” (1958,p.191)Utiliza-se da conceitualização heideggeriana.
Yaloom nos fala do confronto do individuo com os dados da sua
existência que, para ele, constitui o conflito dinâmico existencial.
Uns se apóiam no conhecimento filosófico de Heidegger, outros em
Kiekegaard, ainda que outros, em Sartre.
A questão não está em qual filosofia é melhor, mas qual prática se
ajusta mais a minha forma de enxergar o ser humano. Como Sartre mesmo
diz, “Não importa muito aqui que exista a psicanálise existencial
(como ele definiu); o importante para nós é que seja possível”.
(1988,p.46)

Referências bibliográficas:

Binswanger,L. The Existential Analysis School of Thought. In: R. May
et al, Existence, New York, Basic Books, 1958.
Bornheim,G. A Vez do Leitor. In: Tereza Erthal, Contas e Contos na
Terapia Vivencial,Petrópolis,Vozes Editorial,1992.
Erthal,Tereza. Trilogia da Existência. Curitiba, ed. Honoris Causa,2010.
Kierkegaard,S. Tratado dela desesperacion. Buenos Aires/Santiago, Rueda,1941.
Sartre,J.P. L’Être e tel Néant. Paris, Gallimard, 1943.
Sartre,J.P. La Transcendance de L’ego. Paris, Recherches Philosophiques,1935

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