SER OU NADA

Tereza Erthal em parceiria com Jean-Paul Sartre

No fundo de cada um de nós
Há uma enorme fissura que tentamos esconder
Divisões que nos remetem a defesas
Pela própria dificuldade de ver.

Censurados por nossos fracassos,
Angustiamo-nos por errar.
Pois, se confessamos o erro,
Somos ingênuos e fracos,
Todos vão se aproveitar.

Papéis são distribuídos
Para todos representar
Se os negamos,somos destituídos
Desta louca sociedade milenar.

Oscilamos entre nos preferir a tudo
E a de preferir tudo à nossa consciência.
Nesta escandalosa aventura
Ignoramos nosso centro de referência.

Acusamos e somos acusados;
Julgamos e somos julgados.
De dualidade em dualidade
Perdemos de vista a verdade.

Um hábito se estabelece:
Julgamo-nos culpados quando somos inocentes.
Vivemos,por isso,acuados,
Ninguém sequer se arrepende.

A exigência é a coragem,
Escolha e responsabilidade
Pra romper esta engrenagem
E findar a dualidade.

É um erro tão profundo
Que nos vai fazendo sofrer;
Não podemos ceder ao mundo
Nosso direito de viver.

A maior escolha aparece,
Ainda que tão calada:
Ou nos elevamos ao Ser,
Ou nos abismamos no nada!

Vivemos num mundo de dualidades. Desde cedo aprendemos a diferenciar certo e errado,claro e escuro,fracasso e sucesso,amor e ódio,etc. Todos os conceitos ensinados passam por esta dicotomia levando-nos a pensar que devemos escolher entre apenas duas posições extremadas. Nenhuma alusão é feita a um continuo de intensidade que permitiria uma postura mais idiossincrática. Tal radicalização, além de encurtar a visão perceptiva, provoca defesas constantes, uma vez que divisões internas sempre causam um enorme incômodo. É como se aprendêssemos que se não conseguimos o extremo sucesso,estamos na posição de fracasso e isso é muito difícil de encarar. Isso ocorre em qualquer tipo de escolha: se não estamos em uma relação amorosa,fracassamos na arte da conquista ou manutenção; se não temos um trabalho gratificante é porque somos um fiasco curricular; se não temos um bom status,somos “pobres” figuras que não conseguiram o sucesso…As cobranças,muitas vezes irreflexivas, surgem deste parâmetro.
Se mantivermos esta visão distorcida,na qual vemos o mundo com esta ótica dicotomizada, mal conseguimos perceber o quanto de aprendizagem perdemos com os pequenos e intermediários momentos da vida. Preocupados em atingir o sucesso, ou o resultado esperado, deixamos escapar o processo,muito mais importante na obtenção de ferramentas necessárias para a completude de novas metas.
As pessoas estão muito preocupadas em chegar ao ponto final, mais do que perceber que, embora um objetivo tenha sido traçado,outro pode aparecer no caminho e contribuir com um prazer inesperado. Mais ainda, quando estamos conscientes do caminho, damos-nos conta de que muitas vezes a meta a ser atingida é uma enorme armadilha pra justamente não ser cumprida: projetando metas inalcançáveis, confirmamos nossa incapacidade de consegui-las.
Costumo dizer que se apreciamos a paisagem durante o trajeto,entramos em contato com variados mecanismos nossos de sabotagem ou de encurtamento de vias pra chegar ao fim. Como poderemos nos aperceber disso se só temos olhos para o resultado final? E que fracasso em não atingi-lo!
Um outro ponto importante é a avaliação que muitos aprendem a fazer de seu erro: um erro é sentido como fracasso, ao invés de entender que o fracasso é especifico àquele comportamento e não representa a pessoa toda. Este é o reflexo da tal dicotomia.
A preocupação excessiva com a avaliação dos outros cria uma espécie de mascaras sociais ou papeis que aprendemos a desenvolver. A consciência cede lugar a uma escala de preferências externas na tentativa de assegurar a aceitação. Desistindo da autoconstrução, sofremos de identidade inautêntica e esperamos constantemente por agrados condicionais. A saída é a consciência, nosso principal centro de referência. Da coragem de arriscar algumas respostas diferentes do menu de extremidades, vamos,aos poucos,fortalecendo este centro. Uma porta se abre e o continuo de possibilidades passa a fazer parte do cardápio. A confiança cresce, as reflexões se ampliam e a escravidão a uma forma de olhar sucumbe. Vários olhares, varias escolhas, contudo um único centro,agora mais confiável. Descobrimos então a incondicionalidade; somos apresentados ao mundo relativo onde só há um único imperativo absoluto: a nossa consciência reflexiva.
Não há o que perdoar; não há certo ou errado. O que existe é a abertura para enxergar o mundo tal como se apresenta à nossa consciência. Tudo o que escolhemos,ainda que não dê certo, é o melhor pra nós naquele instante. Assim, a maior escolha e a mais necessária é a escolha de si, por si e para si. Podemos então entender a máxima sartriana: ou nos elevamos ao Ser, ou nos abismamos no Nada. Faça a sua escolha.

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