POSSO SER FELIZ AINDA QUE O OUTRO NÃO O SEJA?
Tereza Erthal
Por que é que a alegria que alguns podem sentir em suas vidas é diminuída quando encontra alguem que está sofrendo? Como podem ser felizes se sentem culpa por estarem experienciando a dor dos outros? Qual é o problema em desfrutar da felicidade e da abundância, ainda que outros estejam vivendo limitações? Quais são as obrigações para conosco e para com os demais? Estas são questões relacionadas ao fazer e ao ser.
Geralmente, o ser está centrado naquilo que faz, mais do que pelo que de fato é. O peso colocado em cima das ações, mais do que nas intenções, leva as pessoas a acreditarem que elas tem que fazer pelos outros o mesmo que fazem para si mesmas, querendo que os outros vivam o mesmo tipo de vida que criaram para si próprias. Contudo, as obrigações de fazer- o que voce faz de sua vida e com a sua vida- dizem respeito apenas a pessoa que faz, o caminho escolhido a traçar por ela. Sua jornada é a sua própria criação e tudo nela é parte do que está fazendo por si mesma. O que fazemos para os outros não nos serve, a menos que seja para a nossa própria aprendizagem, uma vez que tudo o que fazemos em nossa vida tem esse propósito.
A principal lição é que nós não somos responsáveis pela alegria ou pela dor do outro, assim como pelo seu crescimento e seu aprendizado. De igual forma, as pessoas não são responsáveis pelo nosso caminho. Todos somos soberanos pela nossa jornada. Cada um tem a sua via para criar e seguir. As escolhas são uma espécie de soma de todas as aprendizagens (sobre nós mesmos, sobre o meio ao nosso redor, sobre limites e superações…), conduzindo a um quadro que nos permite fazer escolhas momentâneas, nem certas ou erradas, mas adequadas ao nosso ponto de aprendizagem. Estando coerentes com a nossa então verdade, expandimos como pessoas e nos tornamos um exemplo aos demais. Ajudamos aos outros a buscar a própria verdade, vivendo as muitas possibilidades à nossa frente, por nós mesmos.
Falando desta forma, parece que estaremos construindo seguidores. Isso não é o caso, pois cada um precisa reconhecer que vive seu próprio experienciar. Cada um é, ao mesmo tempo, professor e aluno na caminhada da vida. Ambos ensinam e aprendem; é o que experiencia,mas também a experiência.
A dificuldade de diferenciar piedade de compaixão nos leva a querer decidir pelo outro, quando acreditamos que podemos conduzí-lo à felicidade ou à ausência de sofrimento. Dentro desta perspectiva está contida a crença de que o outro não seja capaz de escolher sozinho. Ainda que alguns estejam num momento de viverem o fracasso ou a impotência diante das barreiras, esta é uma escolha que pertence a eles e, portanto, não é nossa responsabilidade. O que frequentemente ocorre é que quando estamos coerentes e agimos de forma segura e feliz, ajudamos no caminho de muitos que se encontram no escuro, desconhecendo que existe a luz da sua própria consciência.
Muitos confundem os termos responsabilidade e culpa. Deixemos claro que responsáveis somos todos com respeito a tudo o que nos diz respeito. Culpa está mais relacionada à ressentimento que temos por estreitar as escolhas na ilusória tentativa de fugir da angústia. Responsável eu sou sempre, mas a culpa só advem de escolhas mal resolvidas.
Para que a consciência possa contribuir saudavelmente em favor da conduta humana, é indispensável a reflexão. O hábito de silenciar a ansiedade e todas as preocupações, de buscar a compreensão e não o julgamento que ocorre nas explicações, fornece os conteúdos de que se constituem, para discernir com segurança entre o que é essencial do que não o é. Ninguem existe destituído de consciência. Todos os seres que pensam dispõem do auxílio da consciência para fazer o que pode e deve, quando é lícita a realização. A reflexão leva à compreensão e a consequente resposta aos conflitos. O costume doentio de transferir para os outros a capacidade decisória atrasa o seu desenvolvimento, pois não aprende a se conhecer e as suas limitações. Lembremos que a liberdade está oprimida pelo simples fato de que não pode ser experienciada: a liberdade para existir precisa de barreiras; é justamente este ultrapassar das limitações. A sabedoria é o resultado dos caminhos percorridos, das aflições superadas e da alquimia que ocorre. Portanto, é necessário que esta luta seja individual, idiossincrática.
Consideremos também, que geralmente na busca de conselhos e apoios psicológicos o que se quer é ouvir o que é agradável e compensador. Trata-se de autodefesa evitando a total responsabilidade de decidir sozinho. Mas o crescimento, seja qual for, exige esforço contínuo. A cada momento, uma consequência nova, uma descoberta que vai se incorporando nos arquivos da mente.
Assim, quanto mais “ouvirmos” a consciência, maiores serão as possibilidades a nossa frente. Esse é o verdadeiro caminho para alcançar a felicidade.