Desencontro,vazio,solidão,desamparo…Esses tem sido os fortes momentos sentidos pelas pessoas na época atual. Em nossos consultórios, muitos nos procuram questionando seus momentos tristes e relatam a dificuldade de encontrar seus parceiros, alguém que lhes fariam felizes. Pessoas desesperadas a procura de uma parceria, sem nem mesmo avaliar se seria adequada a elas. E a frustração, resultante da situação que o desencontro traz, reforça ainda mais a sensação de abandono e desamparo.
No desespero, a liberdade é confundida com libertinagem, gerando comportamentos que contradizem o projeto anteriormente criado. Ocupações intermináveis induzindo a falsa “ego-trip” geram mais angústia no “day-after”. Tal angustia diz respeito ao “excesso de liberdade” ou, melhor dizendo, o de não se saber livre o bastante para lidar com a própria liberdade e acabar entrando em choque com a necessidade de estar se dirigindo para um porto seguro. Trai-se os próprios valores na esperança de realizar a fantasia plena da liberdade que, contraditoriamente, é sacudida pela necessidade de um apego permanente. É o absurdo das relações atuais! Insatisfações gerais que apontam para o desapontamento gerado pela disritmia entre a expectativa e aquilo que se pode alcançar.
Mudanças na condição feminina não acompanhadas pelo universo masculino? Descompromisso nas formas de se relacionar? Medo da entrega? Momento político-social interferindo nas relações? Explicações não faltam, mas parecem ser insuficientes para acalmar a busca. Talvez, somente o conjunto delas dê conta do momento transacional pelo qual a sociedade vivencia. Tudo acaba por levar à solidão. Solidão! um conceito duro como este faz com que as pessoas fujam de um contato íntimo e aquecido com valores próprios.
Quem foi que disse que a solidão era uma perfeita companheira? Quem foi que disse que dor é prazer? Quem foi que disse que o que é seu vem na sua mão? Será que se questiona o que se diz? Talvez não, pois isso implica em entrar em contato com este estado doloroso e, muitas vezes, insuportável do ser. Ser só ou só ser?
Quando estamos profundamente atrelados a nós mesmos, contactamos com coisas novas, refletimos sobre o velho, percebemos os bloqueios criados no caminho. Contudo, na luta contra o que se lê como desamparo, até as descobertas mais interessantes que o auto-conhecimento traz são feitas com muita dor. Todos evitam sofrer. É natural no ser humano evitar o sofrimento, encurtar o caminho para rapidamente alcançar o prazer que imagina ser duradouro. Todos procuram a felicidade sem se dar conta de que o que encontram nesta busca é o vazio. Será que o projeto está errado ou a forma de o construir está equivocada? Não que a felicidade não exista ou que não está ao alcance de todos, pois a felicidade é, mas que algo que exista em estado momentâneo não pode ser atingido como um objeto concreto e estático.
Alguém definiu a felicidade como “o intervalo entre dois sofrimentos”, o que significa que as dores fazem parte do caminho, mas é na sua leitura e vivência que podemos experienciá-las de uma forma diferente. Perdemo-nos em êxtases alucinando a visão da felicidade e deliramos a liberdade. Ora, se a liberdade exige a presença de barreiras para que se expresse na sua ultrapassagem, por que as barreiras erguidas precisam ser sentidas como dor? Por acaso já se pensou que as montanhas a nossa frente foram criadas por nós mesmos? Ser feliz é um escape de si? Ser livre é viver este escape? Ser feliz não seria uma entrega a si , um contato quase que absoluto com o que nós significamos? Sendo isso verdade, o conceito de liberdade seria o exercício pleno desta função! Buscamos pessoas referentes ( namorados, amigos, parentes), vistas como complementares, para extrairmos daí a felicidade. Imaginamos que seremos muito felizes encontrando o príncipe ou princesa, tal como nos contos de fadas tão condicionados em nossas mentes. Será que não está ai o problema? Se estivéssemos plenos em nós mesmos, tentaríamos encontrar suplementos e não complementos,não é verdade? Aquele desencontro de que todos falam não poderia , entre outras coisas, advir dessa busca desenfreada na tentativa de que o outro preencha aquilo que não se consegue preencher em si mesmo? Ai o outro não seria mais um companheiro, mas um salvador! E o medo de ser responsável por ter que salvar o outro? E a frustração de não se encontrar o objeto de desejo tão fortemente energizado? É como se fosse um abismo visto de cima e de longe para não se deixar levar pelo impulso de se jogar e não obter retorno. Escorrega-se devagar, agarrando-se aos galhos e acidentes que naturalmente vão surgindo no caminho. A felicidade seria o “UP” e a busca, o “down”.
Entrar em contato com a solidão é lidar diretamente com a farsa da humanidade! As mascaras e condicionamentos sociais cegos ajustam-se como luvas de pelica, mas retirá-las, sem deixar marcas, é uma missão quase impossível. Trata-se de uma plástica moral! Reconstrói-se o rosto e todo o resto que o acompanha, sem a certeza do resultado. Contudo, essa maquilagem é a magia da solução. De pele nova, vê-se um horizonte novo nunca antes imaginado. Sem jogos, máscaras ou “scripts” uma pessoa-fênix se relaciona integralmente, mesmo sem contar com o beneficio da volta. Se a preocupação agora é com o entendimento sobre o que se faz com a liberdade de ser e sobre as barreiras antes erguidas diante dos objetivos, experiencia-se um estado de satisfação pleno no que se é e naquilo que se pode vir a ser; uma reconstrução pessoal e constante. E que prazer é sentir-se dono do próprio destino! Diminui-se a ansiedade da procura de um outro para realizar esse objetivo e, contraditoriamente, encontra-se um outro pelo outro. Liberdade passa a ser transparência e felicidade, satisfação. Por este viés,não há busca fora do contexto interno. E ai, a solidão é necessariamente obvia para que se possa deduzir que o porto seguro está dentro; que as angustias são passageiras; que não há dor que permaneça todo o tempo e que esta leitura é pessoal; que a espera e o equilíbrio entre razão e emoção fazem parte do bem estar pessoal. Viver , simples assim! Talvez possamos dizer agora que o desencontro não está no fato das pessoas freqüentarem os lugares fisicamente errados, mas em não freqüentarem o encontro certo: o interno. Não há lugar para o desamparo quando nos preenchemos e nos alegramos em desvelar as facetas do nosso ser. Portanto, compreendo que a felicidade é este estado de total congruência interna que nos remete ao êxtase da criação plena do nosso ser. Do não-ser (o projeto) nasce o próprio ser e podemos incluir qualquer sentimento ou estado desejado. Somos pequenos deuses em ação e já não há mais tempo para retardar este processo. O que desejo a todos é uma boa sorte neste mergulh
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Por Uma Psicoterapia como uma Filosofia Viva
Por uma Psicoterapia como Filosofia Viva.
Tereza Erthal
Apesar das mudanças radicais a que a humanidade vem se expondo, os problemas que se avolumam parecem ser os mesmos, ou da mesma natureza. Angustias e incertezas existenciais ainda geram sofrimento e dor. Este trágico quadro retrata a vida dos homens envolvida por dificuldades, crises e conflitos, que não se resolve pelo auto-conhecimento ou apoio da razão discursiva. O entendimento do que é fundamental parece escapar, de alguma forma, ao conjunto de psicoterapias e análises que se apresentam. Como bem nos disse Gerd Bornheim (1992), “a expansão, entre nós, das atividades psicológicas, de seu estudo, sua pesquisa e sua terapia, constituem de toda evidência um fato que se impõe por razões que encontram o seu esteio na própria necessidade – ou melhor: numa espécie de radical ambigüidade; quero dizer que o homem de nosso tempo equilibra-se na corda bamba que se estende entre o ancoradouro seguro de um humanismo triunfante,calcado na confiança de um eu que se queira autônomo, dono de todos os meios de que pudesse dispor, inventor de uma realidade humana enfim universal, e, no outro extremo, o turvo horizonte que vem embasando os discursos sobre a dissolução do eu…”
Não nos surpreende a enorme diversidade de perspectivas em que se vem analisando a realidade humana, dentro e fora da Psicologia. O homem se apresenta de vários ângulos e sendo muitos, se oferece como interdisciplinar – filosófica, antropológica, biológica,etc. Contudo, todas atestam a sua imprescindível importância e se recusam a uma visão mais globalizante e includente. É certo que todas as contribuições que tentam compreender o Homem são válidas, mas não autorizam que sejam as únicas nesta tarefa.
Questiona-se se a psicoterapia está perdendo o seu campo para práticas alternativas com o objetivo de atingir soluções mais rápidas. Alternativas a quê? O Humanismo, por exemplo, surgiu como uma resposta alternativa à Psicanálise e ao Behaviorismo ortodoxo; o Existencialismo, além dos anteriores, faz frente ao próprio Humanismo que se baseia na essência. Cada teoria responde, de algum modo, a alguma outra, na esperança de encontrar respostas mais completas para compreender o ser humano. Neste sentido, todas as práticas psicoterápicas são alternativas! Questiona-se sobre a grande procura a tarólogos, terapias florais, numerólogos, etc, como busca de auto-conhecimento. Pelo que me consta, práticas como estas sempre estiveram presentes e aguçaram a curiosidade humana, não impedindo a procura de clinicas psicoterapêuticas para o conseqüente desenvolvimento pessoal.
O mundo está em crise e não vamos ser prepotentes e arrogantes acreditando que esta crise somente possa ser cuidada por nós, psicoterapeutas. Qual a nossa contribuição à compreensão dessa crise? A necessidade dessa avaliação, e de uma auto-avaliação, torna-se urgente. Precisamos de uma Filosofia Viva, distanciada de um mero sistema especulativo. É necessário que essa filosofia produza um impacto no viver e seja um instrumento de plena utilidade para a compreensão dos problemas existenciais. Reflexão e ação devem estar unidas a uma preocupação com a ética e ao despertar da intuição, tão contaminada pela influência do racionalismo. “Não sabemos radicalmente o que é o modo de ser da vida nem em que consiste a essência vital da morte. E não sabemos, por nos contentarmos com pouco, com algumas representações operativas e idéias de papel sobre a realidade nas realizações da vida e no desempenho dos seres vivos. E nos contentamos com este pouco porque temos os ouvidos saturados de ciência. O alarido da técnica e o progresso da civilização nos fazem cair na tentação de esperar que a biologia, a psicologia, a antropologia, a sociologia, a psicanálise, a historiografia, etc, nos digam o que é a vida e em que consiste o viver.” (Carneiro Leão,1989) O que de mais importante se escapa: a preocupação tem que ser o viver! Nas palavras de Sartre, o homem nunca é um singular individual, mas um singular universal: universal, pela universalidade singular da história humana; singular, pela singularidade universalizante de seus próprios projetos. O proto já implica a noção de uma pessoa como unidade sintética, inserida num meio, sofrendo várias influências. É certo que inicialmente existe uma influência do mundo na contribuição da organização do ser. Posteriormente, há uma ultrapassagem daquilo que o mundo fez ou faz do indivíduo. Se antes ele era um constituído, através da ação ele supera a passividade do resultado. A compreensão do viver depende da compreensão desta ambigüidade.
O enfoque relacional traz ai uma contribuição fundamental: a relação “eu-tu” passa a ser compreendida a partir do “nós”. O egoísmo é substituído pela auto-compreensão incondicional, deixando pra trás todo o tipo de bases competitivas na vida. Se a realidade acontece quando a vemos e como a percebemos, e se a psicologia enfatiza os relacionamentos e assenta o individuo em virtude de sua própria natureza no mundo do ser, o individuo que já estabeleceu um compromisso com os outros ou com a natureza, não deverá desenvolver uma base narcisista de solidão, vazio, alienação. Ele não é uma ilha, mas parte de um continente. Ele e o outro perfazem uma unidade e percebendo a unidade, os problemas do mundo passam a ser vistos como seus; o sofrimento do outro é o seu próprio sofrer. Trata-se sim de entender o que esses sofrimentos são em nós mesmos. Precisamos de uma filosofia da existência para buscar um entendimento transformador. Ao invés de se enxergar o mundo como em constante movimento, tem-se a ilusão de permanência, conveniente, de conseguir o controle, fruto desta consciência individualista.
Muito me entristece ver que muitos de nossos colegas terapeutas ainda permanecem nesta visão ilusória e pobre. Competições sobre linhas, ou dentro da mesma linha de atuação, é mais um embate pessoal travado na vã tentativa de se sentir acima do outro. Chega-se ao ponto de se inventar babaridades sobre um bom profissional para que, neste ato, o acusador possa ser beneficiado em imagem. Que engano fatal! O outro continua sendo a referência! Quer mais foco dado ao colega do que esse?
Evoluir de uma consciência individual para uma grupal é uma das possíveis soluções para se encarar uma crise. Mas, como em tudo, existe um ônus: grandiosas mortes internas são necessárias. Se nos ativermos à idéia de que falta ao mundo essa compreensão do “nós”, resultando em competitividades abusivas, reforçando o olhar “umbilical” alienante, poderemos entender que uma psicoterapia viva e atuante precisa englobar a consciência totalizante. Considerando que não se pode transcender àquilo que não se conhece, parece óbvio que a consciência individual e o mundo fenomênico são o ponto de partida.Com a transcendência, o sofrer em si dá lugar à preocupação em reduzir o sofrer do outro.
Sinceramente, não acredito em nenhum profissional que ressalta a sua prática em detrimento das demais. Isso, pra mim, indica que, se não há respeito quanto as diversas formas de se tentar chegar a compreensão e a mudança, dificilmente estes profissionais respeitarão as divergentes visões de seus clientes, impondo-lhes a sua própria. Acreditem, isso existe, seja em que prática for! Talvez, nós terapeutas, possamos pôr à prova nosso sistema de valores, e, eventualmente, descobri-lo inalterado, inerte, de tal forma que não nos permita ultrapassar a nossa própria história. Portanto, mãos à obra nesta caminhada, abandonando qualquer forma de estagnação! Podemos então usar uma frase conhecida: “você traz a solução ou faz parte do problema?”
A Liberdade é uma escolha
A complexidade do mundo atual parece estar, dia a dia, se tornando maior e com isso o homem sente-se também envolvido por ela. É claro que as conseqüências de tal situação se refletem em seu comportamento na família, no trabalho e na sociedade. A cada passo, necessita este homem de meios aptos para superar e, na medida do possível, desfazer a complexidade ambiental. Muitas vezes, sem saber de sua responsabilidade nesta complexidade, o homem realiza as suas escolhas de maneira vaga, entendendo ser mais uma vítima de todo esse emaranhado que vai sendo tramado. Perdido, luta pra encontrar saídas na exterioridade. O resultado é o acumulo de angústias, de frustrações, o que reforça ainda mais a confusão a que se vê envolvido. É que toda a nossa dificuldade é uma pretensão, a pretensão de já saber o que é viver. E não pretendemos apenas saber, mas achamos que sabemos até o fundamento desta nossa pretensão, de acordo com Carneiro Leão. Vivendo, todos fazemos a experiência da vida e não pode ser de outro modo!
Somos as escolhas de nossas vidas e, é claro, estas escolhas afetam tudo. De acordo com Luis Veríssimo, “A liberdade é muito mal compreendida. Parece, a principio, um substantivo abstrato que tem o valor prático, pois acaba funcionando ideologicamente como a oportunidade ou o desejo de libertar-se de responsabilidades, de problemas, sobretudo limites. O senso comum acredita que liberdade é uma realidade dada que implica em fazer o que bem aprouver, o que der vontade, realizar a vontade sem restrições, pôr-se à vontade, sentir-se sem o olhar diante do outro, sem preocupações ou limitações.” Na verdade, esta é a contramão da visão existencial que defende a idéia de que somos livres porque escolhemos ser. Escolhemos o nosso destino; optamos por ser de uma forma e não de outra. Contudo, não haverá liberdade sem as barreiras naturais da vida e ao ultrapassar estas muralhas é que podemos experienciar a verdadeira liberdade. Existir faz-se nas ações, pois escolhendo estamos agindo, ainda que a opção seja a inércia. Escolher é arriscar-se e o risco é necessário para que todas as possibilidades sejam avaliadas.
Sabemos que a liberdade é geradora de angústia. Não somos preparados para confiar nas nossas respostas imediatas, sem algum “script”. Mas a angustia, vista como um sintoma patológico, nada mais é que um sinal, tal como a febre o é diante de uma infecção, indicando que algo está ali e precisa ser olhado, com serenidade.
Sartre foi o maior representante deste pensamento. Todos os momentos da vida de Sartre foram uma forma permanente de reflexão engajada sobre os problemas da existência humana. Em toda a sua obra, quer nos romances, quer nos tratados filosóficos, expõe a liberdade como tema principal e nos mostra como fugimos dela, sem saber que seriamos mais felizes e coerentes se a assumíssemos. Ter a rédea de nossa própria vida é algo desejado, mas tão temido! Espera-se ter respostas prontas , mas elas têm que ser criadas. Na verdade, “não há saídas a escolha, justamente esta é a saída”(Gertrude Stein).