Perspectiva Humanista do Amor
Tereza Erthal

Numa visão humanista, podemos admitir que o amor é uma escolha e um processo de transformação constante. O objetivo, como ser, é o amor universal, uma vez que o amor não pode ser excludente. Seu crescimento implica em sua abrangência. O amor por uma pessoa é capaz de despertar o amor por toda a humanidade. Mas, por outro lado, pode não passar de um mimo narcísico para os amantes. Em face disso, a filosofia medieval interpretava o sentido de totalidade amorosa como Deus. Dizia que amar alguém é amar uma pessoa em Deus. Fazia-se uma distinção entre o amor que se encerra em uma criatura e o amor como experiência totalizante- amar alguém como um elo inclusivo com todos os seres:
“ O amor a uma pessoa difere do amor a uma simples coisa. Amamos as coisas em atenção à nossa própria pessoa, a cujo serviço elas perdem a sua existência, como se sucede com uma iguaria que se ama e se consome…O amor puro, sincero e generoso a um ser pessoal, ao contrário, visa a pessoa como tal e a si mesma. O que não quer dizer que a caridade ( o amor de Deus) não atenda também ao seu próprio bem.
Amar sinceramente a outrem significa amá-lo como a nós mesmos, o que só é possível num plano de igualdade…”(Boehner, P. e Gilson,E. História da filosofia cristã.Ed. Vozes, 1991, p.189)
Se quisermos dizer que o amor enquanto relação amorosa é um crescimento de mãos dadas, precisamos completar tal sentença dizendo que isso pode ocorrer, mas a partir, igualmente, do desenvolvimento concomitante das singularidades. Duas pessoas não vão crescer da mesma forma e ao mesmo tempo. É necessário aceitar que cada uma delas está se comportando como pode naquele momento. É a sua jornada pessoal. Pessoa é um ser singular e um ser de relações, ao mesmo tempo. As relações são tecidas com o outro, com o mundo, com o meio ambiente, e, não raras vezes, com o que se intenciona com uma dimensão transpessoal, se a pessoa desenvolve uma experiência religiosa. Mas também o ser das relações remete à autorrelação, à relação consigo mesmo, ao diálogo da intuição com o pensar, do pensar com o sentir, do sentir com o desejo,… são como veias que correm em várias direções, que se integram como uma “gestalt”.
Na verdade, viver no amor é o maior desafio da vida. O amor não pode deixar de atuar até mesmo na ausência de um objeto, visando o distante, tornando-se uma espécie de nostalgia ou saudade do amor.
O amor precisa de liberdade para crescer- não de arbítrio, mas da responsabilidade implicada em cada escolha que envolve não só o eu como o outro, todo o tempo. Justamente por isso, não existe um amor certo como modelo único, mas muitas formas de amar. Através do autoconhecimento e do conhecimento do outro, o que não é feito por livros ou manuais de educação sentimental, mas forjadas pelas vias da própria existência, de uma afinação sensível que envolve EU-TU, descobre-se que o amor é algo construído na intersubjetividade e que na experiência amorosa há uma equalização do “ama ao próximo como a ti mesmo”, ou, o que dá no mesmo, amar a si mesmo é a condição de ´possibilidade de um amor ao outro.
“ Em suma, para termos amor próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor- a negação do status de objeto digno de amor- alimenta a auto aversão.O amor próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros.” ( Bauman,p.100)
Estamos em algum lugar entre o conhecimento de si e a abertura para a inclusão do outro, entre amor ao outro e a autoestima. Na verdade, a existência implica ambos os pólos, sem solução de continuidade; por isso a formulação interessante de Buber, Eu-Tu, ser bastante boa pra ser incluída nesta relação. O amor pode ser considerado uma atitude que propõe a cada pessoa um salto qualitativo, em que não mais se vê enredada por uma lógica utilitária, em que ambos se consomem mutuamente, numa roda de embates regados pelo desejo de posse, cujo resultado é o visível tédio existencial. Desejo é amor da personalidade; conhecimento é amor pela verdade.
O amor é uma responsabilidade que temos para com o outro e é nisso que consiste a igualdade daqueles que amam. Não se trata de anulação das diferenças, mas uma afirmação de alteridade. Há um trecho da peça de Sartre, As Moscas, bastante oportuna para o que estou relatando. Aqui está a resposta de Orestes à Electra ( quando a irmã estima que o coração de Orestes é sem ódio), que dá a pensar, pois acreditamos que atinge algo de originário, lançando ao mesmo tempo luz e sombra no mistério que ronda a gênese do amor. Respondeu o herói: “Dizes bem: Sem ódio; e sem amor. Tu, eu teria podido amar. Teria podido…Mas quê? Para amar, para odiar, é preciso se dar.”

PESSOAS-APARÊNCIA: O MEDO DE SER
Tereza Erthal

Nos dias atuais, somos freqüentados por uma carência de uma consciência idealista, isto é, aquela que predomina sobre os impulsos egoístas que andam de mãos dadas com o imediatismo. “Se ganho o meu, dane-se o outro.”; “Se posso me livrar pagando ao guarda, só desta vez, é menos trabalho e não vou fazer mais.”; expressam como o imediato entrou e se apossou de todos. Como é difícil realizar a liberdade desta forma! É necessário um adequado conhecimento interior do homem.
Distraído com o mundo fenomênico, este homem se desconhece e ignora as próprias reações emocionais, sempre imprevisíveis, e quando os problemas o visitam, responde alternadamente com violência ou depressão. Não consegue controlar-se frente às barreiras, e o anseio de ser livre, transforma-se em conquista vazia.
A liberdade não é conseguida de um momento para o outro; barreiras são necessárias, pois a liberdade é justamente a ultrapassagem destes obstáculos. Também não é possível dizer que a herdamos de nossos pais. Esta é uma conquista lenta, de cada um. Tem início com a escolha de si próprio. Aos poucos vai se aventurando a opções mais audaciosas, inclusive “guiando” aqueles mais perdidos, simplesmente com as suas atitudes. Pouco a pouco, as aparências sociais vão sendo descartadas dando lugar à legítima identidade e o homem se torna o que realmente é.
Muitos, contudo, ficam empacados no medo de serem descobertos em suas paixões exclusivistas, seus medos freqüentes, etc. A coragem é confundida com a impulsividade e a força com o poder, justamente porque vivem sem liberdade e debocham dos homens livres. Mas é na consciência profunda que está inserida a verdadeira liberdade, alcançada pelo mergulho no ser, propiciador de autoconhecimento.
Na verdade, o homem é livre e nasceu pra exercer e preservar este estado. Podemos dizer que não existe limite para a conquista desta liberdade, embora existam os que se recusam a se apoderar dela e preferem desistir de viver. A anarquia se disfarça em liberdade, demonstrando a violência ou a conformidade, abafando o relacionamento saudável entre as pessoas. Os verdadeiros sentimentos são camuflados para que a boa imagem surja nesta competição frenética. Vazios, sem ideais e sem consciência ética, ficam presos a desejos que jamais se satisfazem.
É preciso reverter todo este sistema injusto que desgasta o homem por simplesmente valorizá-lo pelo que tem e não pelo que de fato é. No atual sistema, adquire-se para acompanhar a moda, e a ansiedade para ser bem aceito socialmente aumenta. Cobra-se estar bem informado, conhecendo vários temas sem a menor profundidade, transtornando seu equilíbrio emocional, originando uma desestruturação pessoal.
Estamos sim na época de pessoas-aparência: quase todos num contexto confuso e sem liberdade, sem rumo e desmotivados. Ocupados com as suas conquistas externas, desconhecem, e temem, a verticalidade da interiorização realmente libertadora. Desistindo de reagir, desenvolve fobias, atormentando-os. É aí que a liberdade perde o significado externo, uma espécie de prisão sem paredes. Até mesmo os sucessos profissionais, ou familiares, não conseguem reduzir o desequilíbrio. Não há finalidade que justifique a consecução das metas.
Estados fóbicos desgastam e levam à depressão profunda. Generalizando este estado, pouco a pouco surge a fobia social, e com ela a pessoa desativa os seus convívios sociais, retraindo-se mais. A ansiedade foge ao controle, tornando-se patológica. A fobia social o incapacita a realizar simples tarefas: assinar um cheque diante de alguém, comer em um restaurante, ou mesmo apenas ir até a esquina de casa. Sempre achando que está sobre severa observação dos demais, passa a abominar a presença do outro. A tendência natural é fugir de tudo e de todos, tendo a ansiedade e o medo como justificativas.
Contudo, a vida de relação com os demais é essencial para o progresso. Como formou uma imagem inferiorizada, incapacitada de si, um círculo vicioso se forma. Ausente a segurança afetiva, vê no amigo o possível inimigo de amanhã. Mas mantém a farsa de uma conduta artificial na qual se apresenta muito bem, aparentemente capazes de enfrentar riscos. O abismo entre o que demonstram e o que são realmente, gera o pavor de serem vencidos, desconsiderados, o que justifica o comportamento de fuga constante.
O homem cava o seu próprio abismo quando se submete as ilusões; conspirando sobre ele próprio, torna esta geração do medo, uma sociedade sem destino. A saída é a troca de olhar: olhar pra dentro de si, buscando aprender a se ver sem os julgamentos externos e distorcidos de uma sociedade insana. Descobrindo que é o senhor de seu destino e que pode traçá-lo pouco a pouco, fiel ao que realmente sente, vai construindo uma auto- estima saudável. A liberdade volta a ser possível, um direito de todos nós!

Da queda ao vôo próprio.

de Tereza Erthal

Era uma menina livre, sem barreiras mentais ou emocionais. Vivia de bem com a vida, acreditando que todos sentiam o mesmo que ela. Muito espontânea, se lançava ao mundo, sem qualquer resquício de medo. Este é o retrato de Tininha, uma menina linda, esperta e vibrante. Mas existia um problema: o mundo!

Esta é a história deste pequeno ser que, quando se deu conta do mundo em que caiu, começou a perder a sua liberdade.

“Tininha, leve sua irmã até o carro!”
“Mas pai, ela é maior e mais velha que eu, por que preciso cuidar dela sempre?”
“Porque eu estou mandando!”

Este é um exemplo de um diálogo com o pai, um homem autoritário e não muito afetivo. A mãe parecia ser mais amiga e afetiva, mas precisava se ocupar muito com as suas tarefas diárias, não sobrando tempo pra apreciar o mundo mágico de Tininha, afinal, era perda de tempo.

“Mãe, olhe que dia lindo e ensolarado! Venha pegar um sol no rosto e ver os pássaros cantando!”
“ Tininha, você não está vendo que estou ocupada fazendo o almoço? Não tenho tempo pra ver passarinhos! Ainda tenho que ir ao banco, fazer compras, etc.Ufa! Meu dia está cheio de obrigações e você vem com essa história de dia ensolarado! Assiste você a este espetáculo enquanto é criança e pode!”, dizia a mãe, cheia de tarefas e compromissos que a tornavam uma pessoa amarga.
Tininha a tudo questionava, mas seu critério era o que sentia no peito, isto é, dizia que era um pulsar que sempre apontava a direção a seguir. Costumava agir permitindo que tudo pudesse fluir sem a desastrosa interferência da sua mente, embora não soubesse ao certo como descrever isso. Evidentemente, ouvia todo tipo de piada por isso, mas era um critério infalível! Tinha uma forma fácil de se relacionar com as pessoas e se lançava no mundo, sem ressalvas. Pode-se dizer que era feliz, mas isso iria durar pouco, pois tudo que é ignorado, mais cedo ou mais tarde, morre, desaparece.
As crianças funcionam através da essência, ou pureza, enquanto não tem uma personalidade formada. Tal essência apresenta-se inoperante no adulto, que nem se apercebe disso. Sendo puras, confiam plenamente na fluidez que as conduz, sem tentar entender, já que todas as ações mentais surgem depois com a “lógica” dos adultos.
Na escola, Tininha sofreu todos os tipos de pressão por ser muito espontânea. Castigos, suspensões e bilhetinhos pros pais, eram comuns, embora ela fosse uma aluna exemplar, do ponto de vista acadêmico. Era por demais inclusiva e sempre dividia tudo o que tinha, não evitando dar tudo o que tivesse, se necessário fosse. Vivia a fantasia de um dia criar uma cidadezinha capaz de abrigar a todos aqueles que vissem a vida como ela. Claro que isso era devido ao fato de Tininha nunca ter se sentido incluída em nada, por ninguém. Estranhava o fato de que as pessoas que mais ajudava, eram aquelas que logo a seguir lhe traíam. Não conseguia entender (neste estágio da vida, ela já usava mais a mente) o que acontecia. Como uma pessoa pede ajuda e, depois de recebê-la, ataca quem lhe deu a mão? Embora questionasse, não entrava em embates, apenas vivenciava, pois, de alguma forma, sabia que quanto mais combatia, mais estimulava o fato.
Tininha assim caminhava: questionando tudo e, agora, também a si mesma. Se todos a apontavam como estranha e diferente, e a faziam pagar um enorme preço pra ser aceita, sentia-se sem valor e, consequentemente, começou a mudar. Tornou-se, com o tempo, alguém apegada, crítica, insegura e com dificuldades intelectuais. O medo se apossou deste ser, como uma consequência das crenças e da ignorância de si. Encarnou o papel oposto ao que viera experienciar.
Na sua fase adolescente, e já cheia de papéis aprendidos pela vida, Tininha começou a se lançar nas relações afetivas. Os meninos a disputavam, mas ela nem sequer percebia que era admirada. As amigas, embora soubessem deste lado atrativo de Tininha, não a alarmavam para não terem que entrar na disputa com ela. Ao contrário, diziam que os meninos não a olhavam e assim garantiam algum olhar pra si mesmas. Com isto, Tininha foi perdendo o contato com a sua imagem corporal, com a sua capacidade de atrair pessoas, mas, acima de tudo, com a fé em si mesma. Quem pede amor, não recebe ou tem amor; é preciso sê-lo! Mas Tininha não se lembrava mais disso!
Tininha era filha caçula, mas suas responsabilidades a colocavam na posição da mais velha das irmãs. Sempre muito estudiosa e responsável com as suas coisas e pessoas, era-lhe cobrado um comportamento protetor para com a irmã que, por sua vez, exibia uma conduta passiva e despreparada com a vida. Sempre achava que sua irmã deveria ser uma boa amiga com quem pudesse dividir tudo. Tentou fazer algumas amigas de irmãs, mas sempre “apanhava” a seguir. Foi criando um autoconceito diminuído e se lançava apenas aos estudos, com confiança e amor. Escrevia solitariamente, porém, nestes instantes, era feliz. Sua mãe demonstrava um certo ciúme da admiração que seu pai nutria, silenciosamente, por ela e aí passava a proteger a outra filha (ou a si mesma). Uma espécie de alinhamento com uma pessoa considerada “ normal” e compatível com as suas características.
Tininha teve muitos namorados, nenhum excedendo o tempo de dois meses. Nada percebia nisso, mas desenvolveu uma barreira protetora que a impedia de se envolver muito e, assim, abandonava antes que fosse abandonada. Exibiu quantidades; esqueceu a qualidade!
Estudiosa do jeito que era, não teve dificuldade em adquirir uma vaga em uma universidade importante na sua cidade. Os estudos sempre foram o seu grande trunfo e uma espécie de porta para a liberdade, segundo ela. Era ansiosa para descobrir o mundo e queria aprender tudo o que pudesse alcançar. Em tudo o que se metia, deixava a sua própria marca, como se quisesse se convencer de que era alguém importante também. Ledo engano! Tininha nunca se convencia e precisava fazer cada vez mais. Óbvio que este comportamento a ajudou de muitas formas, mas a afastou de sua essência linda e espontânea. Não era mais aquela menina feliz e livre, mas uma mocinha insegura, carente e medrosa. Sua coragem não ultrapassava o mundo inserido nos livros!
Formou-se com louvor e já começou bem a sua profissão. Escolheu cursar Pedagogia para trabalhar com crianças carentes e, mais tarde, com crianças superdotadas, incompreendidas pelos demais. Foi aí que começou uma nova fase. Mas precisa ser dito que, também aí, iniciaram suas buscas pela espiritualidade. Sabia separar a psicologia da religiosidade, mas não sabia usá-las para alcançar o verdadeiro conhecimento de si mesma. Buscava muito! Acreditava que um dia encontraria uma boa explicação pra tudo o que vivera e uma saída para todos os seus sofrimentos. E já que a Pedagogia lhe trouxe algo, talvez a espiritualidade trouxesse o resto, afinal era o que pregavam. Arrumou mais uma expectativa, sem ter se dado conta disso.
Sentia-se muito só e queria encontrar seu príncipe. Isto mesmo, era um príncipe que imaginava! Alguém que lhe retiraria da prisão onde se encontrava. Muito exigente, nenhum candidato parecia preencher seus requisitos e o resultado era a frustração.Tinha intenções, projetadas no mundo, mas nunca conseguia realizá-las, de fato. Rodou por todas as religiões, conheceu mestres, fez iniciações, muitos cursos e só o que conseguia era se arruinar ainda mais. Estava de mal com deus e decidiu abandoná-lo e a tudo que a ele se relacionava. Voltou-se pro trabalho mais fortemente e fez mais uma marca: tornou-se a maior especialista no assunto que estudava. Era chamada para palestras no seu país, e fora dele, com muita frequência. Mas o vazio era grande e toda esta plateia, que lhe admirava, não era capaz de lhe trazer conforto, ou alegria.
Depois de muito buscar, desiludida com a vida que escolhera viver, decidiu mudar tudo: de trabalho, de cidade, de país. Sabia que para o novo surgir, o velho tinha que morrer! Foi encontrar a sua melhor amiga dos últimos tempos. Foi um encontro feliz, embora assustador. Aquela menina destemida e desbravadora já não habitava mais aquele corpinho mais velho e condicionado. Muitas crenças se formaram e bloqueavam a verdadeira visão que poderia ter de si.
Sua amiga Nina lhe apresentou uns autores diferentes que estudava, filósofos e psicólogos existenciais, que traziam conteúdos interessantes. Fazia o confronto com o que a pessoa fazia de si mesma. Ensinava a liberdade de ser e as responsabilidades de suas escolhas. Falava de auto estima, da angústia de lidar com as nossas mazelas, mas necessária ao crescimento. Era algo muito assustador e, ao mesmo tempo, verdadeiro. Por que verdadeiro pra ela? Porque resgatou aquele “pulsar” no peito, que agora sabia que era vibração. Tudo começou a vibrar e sabia que era a escolha certa a fazer, mas e o medo? Não apenas devorou tudo o que podia, como foi procurar um dos autores para desenvolver o processo terapêutico. Entrou em contato com as suas crenças: familiar, educacional, profissão, religião, política, tradições, dualidades…Pra uma menina que se conheceu livre, entrar em contato com esta realidade aprisionante a abateu. Ler autores mostrando o que distorcemos e porque o fazemos, era maravilhoso,mas difícil de encarar. A terapia a ajudaria nesta tarefa. Tinha se aguarrado à espiritualidade como resposta externa à tudo, e agora via que era mais uma ilusão que semearam dentro dela. A constatação de que fora livre e que deixou de ser devido a tudo a que foi submetida, a fazia viver na sofreguidão. A boa nova era que tal liberdade podia ser resgatada e estava ansiosa por isso.Na continuidade das leituras, descobriu que, apesar da dor, era necessário encarar todas as suas construções. Ainda sem acreditar muito em si mesma, decidiu mergulhar. Sentia-se aceita incondicionalmente pela sua terapeuta e decidiu arriscar.
Geralmente, o medo de voar, a insegurança de dar um passo para a sua liberdade, a dúvida se a própria autonomia é possível e a fará feliz, surgem com frequência nos pensamentos. Mas é preciso experimentar e não apenas intencionar!
Um desconforto insuportável lhe visitava sempre. Vômitos, dores no corpo, fortes dores intestinais eram alguns dos sintomas mais frequentes, de quem estava visitando áreas antes ocultas pela má fé que exercia sobre si.

“Desordem espaço temporal, desinteresse externo, muito silêncio. Meu ouvido apita e ouço a vibração do meu peito. Nestes momentos, nenhum pensamento me invade ou patina na minha cabeça. É muito bom porque vivo instantes de paz. Será que esta é a porta pela qual preciso entrar e me estabelecer?” comentou ela com seu psicoterapeuta.

Tudo isso se apresentou a ela porque se deu conta de que aprendera a viver com o olhar pra fora de si, buscando conhecimento e verdade de outros, ou outra forma de preenchimento do vazio, que sentia desde menina. Viu que para olhar na direção certa, tinha que se auto observar bem, isto é, registrar tudo, sem críticas ou julgamentos. Experimentou! Foi aos poucos permitindo que sua vida lhe levasse e isso se deu porque ficou consciente do seu auto funcionamento. O olhar de antes estava fora dela, se perdendo nas preocupações deste mundo. Acumulou tantas crenças que já não sabia mais quem era.
Tomar consciência de todas as crenças que adotou ao longo da sua vida não era difícil; difícil era olhar pra elas sem qualquer “pré-conceito”. Ter percepção sobre qualquer coisa não significa que esta coisa mude; é preciso tomar consciência plena e experienciar. Tininha foi aprendendo que tinha que se comprometer com a prática, ou seja, transformando-a em seu hábito diário. Na verdade, aquele que se permite voar, reconhece a sua realidade e segue a fluidez do instante. Contempla e curte a viagem da vida. Esta era a grande aprendizagem desta menina grande.

“ Na profunda observação de mim mesma, percebo que todo o fenômeno que surge se desintegra ao ser observado. Nada é necessário fazer, a não ser experienciar. Enxerga-se a partir de dentro da experiência, onde o pensamento é transcendido e perde o poder de conduzir. E neste momento, tudo se encaixa. Esta tem sido a minha mudança de olhar sobre tudo, especialmente sobre a minha pessoa.”, expressou em uma de suas sessões.

O processo de desconstrução havia começado e Tininha, ainda que com um bom conhecimento do ser humano, pelo seu trabalho e estudo, não podia se dar conta de que as crenças aderem como máscaras no rosto e, ao serem retiradas, a face sangra e dói. Sangrou! Temeu e tremeu! mas não deixou de se auto observar. Era uma mudança radical: de mental ou racional, tão valorizado antes, precisou aprender a ser “coração”. Não era preciso mais algum conceito mental pra viver tudo o que observava, mas apenas experienciar. Conseguiu resgatar a sua espontaneidade já neste momento. A consequência disso foi descobrir que viver podia ser tão fácil, pois era conduzida pelo seu centro de comando, o coração, abafado pelas tantas crenças que se deixara levar. Este processo era uma espécie de constatação. Dizia pra si mesma, e pra sua amiga, que voava, que era conduzida e que aprendera, finalmente, a viver apenas no Agora.
Tininha foi sendo “levada”, cada vez mais, e nenhuma questão lhe invadia. De repente, percebeu que todas as respostas estavam dentro dela. Quando a espontaneidade é permitida, todas as comprovações e estabelecimentos de sua graça se apresentam. Quem tenta entender e identificar alguma coisa, não tem a chance de viver a graça e o êxtase. Sua forma de viver, anteriormente, já não fazia mais sentido. Aliás, nada fazia mais sentido a não ser olhar pra dentro de si mesma e experienciar o que tivesse que viver.
Discutia estes assuntos cada vez mais e foi mergulhando, mergulhando, até que sentiu que uma clareza, absurda de tão clara, lhe pertencia, de vez em quando. Sabia que se continuasse o seu processo, viveria cada vez mais de forma límpida e isso era fantástico.
Todas as questões anteriores perderam a luz. É que quando se retira o olhar, elas simplesmente morrem. O que aprendeu foi que estava na direção certa e este era o seu objetivo de vida. Namorar? Príncipes? Rejeição? Medo? Nada disso lhe pertencia mais, pois o que mais queria era deixar a vida lhe mostrar o caminho. E exatamente por isso, o amor a ela se apresentou. O amor vivido na unidade!
O que aconteceu à Tininha? Modificou o seu olhar! Resgatou a sua essência! Toda a sua espontaneidade e destemor, que pertencem a todos, estavam impedidos de vir à tona em função de conceitos ou crenças que o mundo lhe apresentou. É preciso coragem para desconstruir tudo e deixar reinar a verdadeira natureza! Isso ela fez e hoje vive plena, voando e aprendendo, apesar do mundo.
Este ser, como muitos neste mundo, que havia perdido a liberdade essencial, descobriu um método que lhe fez reencontrar sua verdade, sua vibração. Não é mais um caminho com retorno, ao contrário, não tem volta, não se quer voltar!!! Dizia que tinha asas e que nada mais a impedia de voar. Tininha resgatou a sua liberdade e descobriu que apenas sendo livre podia ser feliz novamente.
Enquanto não experimentamos a troca de olhar sobre a nossa própria realidade, nos mantemos na ilusão de que somos livres. Para ter a liberdade, é preciso sê-la!! A Paz surge quando calamos a nossa personalidade e não somos mais reféns do seu sistema de crenças. Simplesmente permitindo que o centro de autonomia a tudo processe. Estamos tão imersos na ignorância sobre nós mesmos que nem percebemos o quanto somos manipulados. Transformamo-nos em verdadeiras marionetes! Seguindo idéias e pessoas, mais nos afastamos de quem realmente somos. Mas podemos mudar isso, como o fez Tininha, e assegurarmos o direito à nossa liberdade.
Geralmente, quando olhamos no espelho o que vemos? Vemos as nossas crenças, as nossas máscaras, o monstro que nos tornamos. Agimos neste mundo por conveniências, pois esta é a distorção. A inclusão que traz a unidade é perdida e os papéis representados neste mundo se tornam os nossos personagens diários. A zona de conforto promovida pela personalidade, nos faz ignorar o nosso real estado. Ou nos enganamos diariamente, ou focamos na nossa mudança de olhar! E este é um trabalho pessoal; ninguém pode fazê-lo por nós!
O que eu posso dizer de tudo isso? Que também aprendi muito com Tininha e a maior das aprendizagens é que toda transformação é possível, se nos propomos a ousar. Somos seres livres e precisamos assumir esta verdade!!!Desejo a vocês, uma excelente transformação!
Feliz Ano Novo!!!

Prosa sobre o âmbito relacional da existência, o olhar e o ser-para-outro. Breve diálogo com o pensamento de Sartre.
Por Luiz José Veríssimo

É central para Sartre a apreciação do olhar. No seu conhecido livro O ser e o nada, ele dedica toda uma longa seção sobre a fenomenologia do olhar. Trata-se de um levantamento de como vivenciamos o olhar, tanto do ponto de vista de nos sentirmos vistos, quanto de sermos aquele que olha.
É muito inspiradora, para o trabalho psicoterápico, a análise de Sartre acerca do olhar. Quem explora esse terreno, precisa estudar como Sartre concebe as relações humanas a partir do fenômeno do olhar.
Fizemos um livro com Tereza onde a autora, num certo trecho, pergunta: poderia existir uma consciência no mundo sozinha? E, de pronto, responde: “tudo indica que isso seja impossível, pois cada homem existe no mundo com outros homens” (Erthal e Veríssimo, 2015, p. 54).
O existir em coabitação com outros seres humanos partilhando um espaço comum não é um simples aglomerado de gente, não é só é um estar junto ao outro como se fossem pilhas de roupas amassadas, se bem que, não raro, nos sintamos assim ao andar de ônibus, de metrô ou no meio de uma multidão. O existir humano é um existir conjugado: estamos sempre enovelados com o outro – seja ele planta, gente, animal, etc., numa teia de relações.
Para Sartre, somos a nossa própria consciência. Em termos fenomenológicos, não estamos autorizados a conceber a consciência como uma parte de nossa psique, uma tópica psíquica, um epifenômeno do cérebro, um enfeixamento de processos bioquímicos e fisiológicos. A consciência é um atirar-se para os objetos que ela intenciona. Sartre escolhe, para salientar o caráter intencional da consciência, uma expressão hiperbólica: a consciência é uma explosão para fora de si mesma na direção do que ela visa (2005, p. 56). O que ela visa? O mundo, o corpo, o eu, a natureza, Deus, valores, ideias, conceitos, etc.
Muito bem. Se a consciência é um dirigir-se ao que ela intenciona, ela é, fundamentalmente, relação. Podemos, então, fechar um primeiro retrato do ser humano. Se a consciência é relação, o ser humano é na medida em que se relaciona. E afirmar que o ser humano “é”, é afirmar que ele existe. Se Heidegger (2012) afirma que a existência do ser-no-mundo é a sua existência, Sartre (1987) quer apimentar a assertiva, através da conhecida máxima que propõe que a existência precede a essência. O ser humano não tem nenhuma essência fora seu ser que se projeta constantemente para fora de si mesmo. Esse ser é a consciência, ou, como Sartre designa, o para-si. Por esse nada ontológico, vale dizer, por não portar, de saída, nenhuma determinação que não o ser que se faz na práxis, nas escolhas, no projeto existencial de cada um, Sartre (1987) anuncia outro aspecto imprescindível da consciência: a liberdade.
Detalhe: não vamos confundir o dirigir-se perpetuamente para fora de si mesma que marca a intencionalidade da consciência com algo como a ideia de que a pessoa esteja necessariamente voltada para fora de si, voltada para o “externo”. O caráter extático da consciência é sua transcendência, o não fechar-se como um sistema mecânico que já vem pré-fabricado, seja pela natureza, seja por Deus.
Esse passeio rápido pela fenomenologia e pela ontologia foi para imprimir a conjugação entre a consciência e a existência, que implica um relacionar-se com. Não, há, portanto como existir uma consciência que prescinda do outro para ser consciente de si mesma e do mundo em que se encontra em relação. Até estar no meio de uma multidão é relacionar-se com a multidão, onde a consciência confere vários sentidos a esse momento; não apenas percebe a multidão de uma determinada forma, como se percebe na multidão de
uma determinada forma, e reage emocionalmente ao seu estar na multidão. Por exemplo, numa noite de Réveillon, bem na hora do espocar da meia noite, alguém pode se sentir eufórico, enquanto outra pessoa, mesmo cercada de tanta gente, pode se sentir a pessoa mais solitária do mundo.
Como se dá esse relacionar-se constante da consciência para fora de si mesma? Ou, em termos mais simples, como se constitui o nosso relacionar-se? Sartre injeta o olhar como gênese da consciência de si e do outro. A consciência ao descobrir o outro torna-se um ser-para-outro. “Descubro a mim mesmo, e, ao mesmo tempo, os outros; apreendo-me perante o outro” (Erthal e Veríssimo, 2015, p. 54).
Poderíamos apressadamente concluir que o ser-para-outro é um alguém que vive em função do outro. Essa é, de fato, uma das miríades de possibilidades do ser-para-outro, mas não esgota o assunto. Por isso, precisamos avançar a apresentação do ser-para-outro.
Descobrimo-nos como um ser-para-outro no olhar, mais precisamente, no momento em que nos percebemos vistos pelo outro. Esse é um problema que dá contornos concretos à liberdade, que deixa de ser uma abstração conceitual para se tornar o índice de nossa situação no mundo. A existência do outro é uma liberdade colocada diante de mim. “Nessas condições, a descoberta da minha intimidade desvenda-me simultaneamente, a existência do outro como uma liberdade colocada na minha frente, que só pensa e só quer ou a favor ou contra mim” (Sartre, 1987, p. 16). Com essa citação, não querermos dar a entender uma dicotomia simplista, do tipo: ou o outro está comigo ou está contra mim; e sim, que a liberdade do outro se confronta com a minha. E o fundo dessa fricção é o olhar. “Uma pessoa (…) se escolhe perante o outro. Ela quer obter a liberdade em cada situação particular, mas descobre que sua liberdade articula-se com a liberdade dos outros, da mesma forma que a dos outros articula-se com a dela” (Erthal e Veríssimo, 2015, p. 54-55).
Faz-se mister, desde logo, pontuar que a fenomenologia do olhar levada a cabo por Sartre não se reduz a um problema de visão psicofísica. Precisamos interrogar o que o olhar significa. “Sinto-me constantemente flagrado(a) pelo outro, observo-me, “conheço-me” mediado pelo olhar do outro: “o outro é o mediador indispensável entre mim e mim mesmo” (Erthal e Veríssimo, 2015, p. 58-59). O ser visto trata do sentir-se avaliado, flagrado, sentir que a identidade e a autoestima escorrem em direção ao ser visto pelo outro.
Voltamos, em círculo hermenêutico, ao ponto de partida. É impossível a existência concebida como uma solitária consciência a ditar a ordem e o sentido do mundo. Nesse ponto, há quem, inclusive aposte que o ser como relação não é somente uma essência antropológica, como revela um fundo genuinamente ontológico.
Para estudiosos de religião, como Jack Miles, Jung, Leonardo Boff, Martin Buber, e tantos outros, nem Deus manteve-se isolado: criou o cosmo, o ser humano, a mulher, o homem. Para Sartre, Deus é uma essência que é pura consciência de Si, é ausência de qualquer falta. Jack Miles (1997, p. 449) assinala a passagem bíblica que prescreve o ser humano como imagem e semelhança de Deus (Gênesis, 1, 26). A seguir, pontua: “Essa frase sempre foi lida como uma afirmação da nobreza da humanidade, mas ela pode ser tomada também como uma afirmação da não transparência de Deus para si mesmo. Ele quer uma imagem porque precisa de uma imagem” (Miles, 1997, p. 449). O pensamento de Miles nos trouxe, em outra ocasião, a provocação que reproduzimos. “Esse modo reflexo revela, afinal, uma não transparência inicial de Deus para si mesmo, uma descoberta de Si que convoca um outro, o ser humano” (Veríssimo, 2010, p. 49). Segundo o próprio relato mítico, Deus não criou uma cópia de si mesmo. Ele criou uma criatura finita, mas com um potencial de crescimento e experiências fantástico (nesse sentido, infinita), “que possibilitou a Deus conhecer melhor a Si mesmo a partir da relação com o ser humano e o curso da história” (Veríssimo, 2010, p. 69).
Se deixarmos a existência concreta de Deus entre parênteses, notamos, aqui, que até numa concepção religiosa, a consciência jamais se encarcera em si mesma, como fica estampado na imagem do divino que não prescinde do ser humano, ao revés, é relação com o mundo, com a humanidade e com cada pessoa.
Tereza Erthal acentua que a palavra Deus se tornou vazia de significado em nossa cultura. “A palavra Deus se tornou um conceito fechado. Ao pronunciá-la criamos uma espécie de imagem mental, um velhinho de barbas brancas, isto é, uma representação mental de alguém ou de algo externo a nós, e, quase invariavelmente, do sexo masculino. (…) Além do desgaste da palavra, existe o desgaste do que as religiões institucionalizadas fizeram Dele” (Erthal, 2008, p. 124 e 125).
Sartre trabalha a partir de tal representação tradicional de Deus. Deus é, para Sartre uma consciência Em-si-Para-si, isto é, uma consciência plena, acabada, absoluta, completa, sem nenhum fissura, sem nenhuma possibilidade de transformação, por ser a absoluta perfeição. Por isso, Sartre estima que precisa opor a consciência humana à consciência de Deus. Mas esse é, ressalta Erthal, um problema tipicamente da mente. “quando há identificação com a mente, cria-se uma tela opaca de conceitos entre a pessoa e o eu interior, entre o eu e o outro. É o que dá a sensação de separatividade” (Erthal, 2008, p. 128). Ora, perguntamos, o que é a separatividade senão o desejo de negar a relação?
Erthal acompanha com familiaridade o caráter relacional da consciência. Se a consciência concebe uma imagem a que alguns chamam “Deus”, e, dessa forma, Deus adentra na existência através do imaginário humano, “não há homem sem Deus, não há Deus sem homem. Tudo o que se sabe sobre Deus, sabe-se por meio de um ser humano. Tudo o que se sabe do Absoluto, sabe-se por meio de um ser relativo”. Erthal conclui que se trata de descobrir, em cada ser humano, “esse trabalho de síntese, esse processo de interação entre matéria e espírito (…). Todo homem, budista, cristão ou de outra religião qualquer, descobre essa síntese, e é por isso que se pode falar da síntese em uma linguagem que não é obrigatoriamente religiosa. É preciso tomar consciência dessa realidade que no homem ultrapassa o homem” (Erthal, 2008, p. 130).
Essa realidade é, para Erthal, nada menos que a própria consciência. A consciência ultrapassa as amarras da mente que se prendem a crenças, conceitos e representações tradicionais. Sendo relacional, a consciência se constitui como ser-para-outro, mas também como ser-para-si. Mas, o ser-para-si para adensar-se em suas possibilidades próprias, não precisa matar Deus, como acreditam Sartre, Nietzsche Marx, Freud, os chamados mestres da suspeita. Na verdade, matar Deus ou ficar preso dentro de representações do divino é típico da mente.
Diante de nós abre-se uma janela de compreensão no sentido de que a consciência é relação, incluindo autorrelação, enquanto a mente prima pela separatividade, eu versus você, Eu – Isso, na linguagem de Buber (1977). Arriscaríamos dizer que muitas considerações de Sartre a respeito da consciência enquanto ser-para-outro são descrições precisas de costumeiros estados da mente, que os orientais já conhecem há muito tempo sob a denominação de maya.

Referências
BUBER, Martin. Eu e Tu. Trad. de Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Moraes, 1977.
ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. A visão sartriana de Deus. In ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Psicologia e Religião. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha e VERÍSSIMO, Luiz José. Sobre o amor, a paixão, o olhar, as relações humanas. Diálogo com Sartre e com o Humanismo. Curitiba: Appris, 2015.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. de Márcia Sá Cavalcante Schuback. 6ª ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2012.
MILES, Jack. Deus: uma biografia. Trad. de José R. Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Trad. de Rita Correa Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
_____. O ser e o nada. Trad. de Paulo Perdigão. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
_____. Situações I. Críticas literárias. Trad. de Cristina Prado. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
VERÍSSIMO, Luiz José. Ética da reciprocidade. Diálogo com Martin Buber. Rio de Janeiro: Uapê, 2010.

A busca e o Caminho

Ao longo das idades, o homem parece ter buscado algo além de si próprio, mais do que bem estar material. Algo sempre o perturbou e foi buscar a verdade, Deus ou realidade, qualquer coisa imperturbável pela corrupção humana. Qual a finalidade da vida? Tem ela algum significado? Presenciando uma enorme confusão reinante na vida, e vivenciando uma grande frustração, queria saber se havia alguma coisa além de seus próprios limites. Sem encontrar o que sempre buscou, precisou cultivar a fé, quer em um salvador, um profeta, um guru ou num ideal; a fé que invariavelmente gera a violência. E na batalha da vida, aprendeu a estabelecer códigos de conduta, de acordo com a sociedade vigente. Aceitou padrões de comportamentos como parte de sua tradição. Entendeu que tinha que esperar que alguem lhe dissesse o que seria certo e errado, até que suas reações foram se automatizando. Viveu daquilo que lhe disseram e se afastou do seu experienciar.
A história teológica mostra que se observamos determinados rituais, recitarmos preces ou cântigos sagrados, obedecermos aos padrões, controlarmos os desejos, enfim, depois de torturar bem o corpo e o espírito, encontraremos a paz e nos livraremos deste mundo desprezível. Uma espécie de bilhete de entrada pro paraíso. A mente, assim, foi se ajustando aos padrões estabelecidos. Contudo, a mente embotada pelo ajustamento disciplinar não é capaz de achar caminho algum, a não ser em conformidade com a sua própria deformação. Com esta atitude, o olhar foi se especializando na observância externa, nas buscas exteriores.
O caminho tradicional parte da periferia para dentro visando atingir a infinita beleza do amor, através do tempo. Ensinam-nos a ir retirando camada por camada até chegar ao centro. Decepcionado o homem fica quando nada encontra. Mas a mente está embotada, insensível. O que conseguiria enxergar?A primeira causa da desordem é buscar a realidade prometida por outros. O seguidor é aquele que busca uma garantia de uma vida espiritual confortável ou a saída desta prisão. Embora o homem seja avesso à ditadura, ou qualquer forma que restrinja a sua liberdade, permite deformar a sua mente e a sua vida se colocando aos pés de um tirano qualquer. Mas, se por outro lado, ele rejeitar realmente tal autoridade dita espiritual ou absoluta, assim como as crenças, dogmas e rituais, sente-se sozinho, em conflito coma sociedade. É deste ponto que os falsos gurus se aproveitam. Não apenas existe ua sensação de solidão, como deixa de ser um humano respeitável, ou vai perder a oportunidade de receber os ganhos prometidos. Ele perdeu a confiança natural em si mesmo e o que resta é confiar em alguem que a represente. Se rejeita por ter compreendido a imaturidade desta atitude, libertando-se do medo que tanto o aprisiona, transcende a armadilha da respeitabilidade. Não há o que se buscar. A busca é como olhar vitrines, sem visitar seu conteúdo. Como nos disse Krishnmurti em uma de suas conferências, “Só há falta de maturidade na total ignorância de si mesmo. A compreensão de si próprio é o caminho da sabedoria.”
Todas as formas exteriores de mudança, produzidas pelas guerras, revoluções, reformas, leis e ideologias, falharam completamente, já que não mudaram a natureza básica do homem e, portanto, da sociedade.Poderia perguntar se uma sociedade onde vigora a competiçao acirrada, a brutalidade e o medo pode ser extinta? Terminar não conceitualmente ou como uma esperança, mas como um fato real. Isso somente vai acontecer quando cada um de nós, não importando a que cultura pertençamos, for inteiramente responsável por tada a situação do mundo. Por acaso não somos responsáveis por todas as guerras, geradas pela agressividade de nossas vidas? Nosso nacionalismo, nossos preconceitos, nossos ideais, nossas crenças, tudo isso nos divide.
A verdade sobre si mesmo e sobre o mundo não oferece um caminho. A verdade é viva, simples assim. Somente coisas estáticas tem um caminho já traçado. A verdade vibra! É algo que se move, que não tem pouso, que não tem templos ou exige rituais. Nenhum filósofo pode levar a verdade ao outro. Isto é atingido através da vivência pessoal- a coisa viva é o que realmente somos com nossa brutalidade, angústia, desepêro,etc. A compreensão de tudo isso, isto é, no experienciar destas coisas, encontra-se a verdade.
Concluimos que não precisamos depender de niguem: não há instrutor ou qualquer autoridade que seja capaz de encontrar a verdade que eu sou, por mim.Só existe a nossa relação com o mundo , com as pessoas e nada mais. Um psicólogo irá facilitar este processo estimulando a vivência e aceitando incondicionalmente o seu cliente. Isto o levará a abrir a possibilidade de procurar aceitar a si mesmo. Observe o que está acontecendo em sua vida diária, interior e exteriormente. Vai perceber que tudo se baseia num conceito intelectual e o intelecto não constitui o campo total da existência. Observando o que acontece no mundo, perceberá que não há processo interior nem exterior.O que há é um processo unitário, uma espécie de movimento integral, sendo que o movimento interior se expressa no exterior e o movimento exterior reage ao interior. O que é necessário é olhar este fato. E ninguem pode ensinar-nos a olhar. No máximo se pode ajudar à pessoa a perceber seus impeditivos, aquilo que parece obstruir seu olhar, mas o seu olhar é único . Portanto, olhe, simplesmente. Permita que sua mente irascível se abra à possibilidade do novo, do não dito, do não controlado, e descobrirá que as respostas já estão contidas nas perguntas.
Perguntam se não teria outro caminho, então. Por que não causamos uma explosão do centro? Talvez esta explosão seja a vibração atingida quando, a sós consigo mesmo, está livre pra fazer a sua própria descoberta.Havendo liberdade, há energia. Difere inteiramente da revolta, pois não há agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Logo, não há medo, e a mente sem medo é capaz de infinito amor, E o Amor pode fazer o que quer.

O nascimento de uma nova consciência.

Tereza Erthal

Nestes dias de perturbações emocionais e físicas, tenho ouvido, muito frequentemente, dificuldades que levam até a uma desorientação espaço temporal em muitos. Sensações de que os dias estão rápidos demais; extremo cansaço; dificuldade de dar conta de tudo que antes fazia naturalmente; falta de humor equilibrado, etc. Muitas mudanças estão acontecendo, mas a principal diz respeito ao nascimento de uma nova consciência. Como? Quando? Não está determinado, inclusive porque o futuro é sempre indeterminado. A única coisa revelada e que podemos conhecer é este momento: o Agora! Do Agora, milhões de caminhos possíveis se apresentam e, com eles, uma enorme rede de infinitos futuros possíveis. Ainda que possamos dizer que o passado possa trazer alguma aprendizagem quanto a padrões comportamentais capazes, talvez, de prever um futuro mais provável que outro, a escolha continua sendo nossa. Nós decidimos se o passado determinará nosso futuro. Sabemos que previsões se relacionam a probabilidades e estas ao passado experienciado. Contudo, nosso poder como Pessoa traz a possibilidade de um rompimento com este passado, criando um caminho completamente diferente. Somos dotados de liberdade de escolha e temos, portanto, o poder de transformar, transmutar e recriar a nós mesmos. Neste sentido, somos co criadores da existência, já que possuimos o poder de criar a partir do nada.
Quando muitos falam desta nova realidade ou consciência, nunca podemos nos esquecer que somos mestres da nossa propria realidade. Toda mudança está relacionada à realidade interna de quem tenta.E há muitas realidades! A realidade escolhida vai responder às necessidades internas e aos desejos de cada um.
Vivemos num mundo de dualidade e nela experimentamos todos os extremos. É natural, nesta cena, vivenciarmos papéis distintos em diferentes dramas, como um ator numa novela: saudável, doente, rico, pobre, religioso, ateu,etc. O profano e o sagrado são vivenciados por muitos. Muitas habilidades surgem daí, afinal, tais experiências nos trazem a possibilidade de experimentar inteiramente o que é ser um humano, uma pessoa. Tais experiências humanas são intensas e muito variadas. Estamos imersos em um enorme campo de sensações, pensamentos e sentimentos e, devido à dualidade existente, o contraste e a intensidade entre elas se destacam.
O processo de criação é uma luta, onde muita resistência ocorre na tentativa de bloquear a realização dos sonhos. Como existe um intervalo entre a idéia e a criação, muitas coisas ocorrem ai. Fazer nascer uma idéia é um processo penoso e requer esforço pra muitos.É necessário perseverança, clareza mental e os sentimentos limpos, isto é, um coração aberto e confiante. Na dualidade tudo é lento, pois temos que lidar com todos os impulsos contraditórios, dúvidas, falta de apoio,etc. E muitas vezes, o brilhante papel de uma criação vai por terra exatamente por estes entraves. Contudo, são estes mesmos problemas, com seus fracassados resultados, que fazem com que a experiência seja tão valiosa.Podemos dizer que os desafios são nossos maiores mestres, de fato. Embora muitos se deseperem com a natureza não muito amena de suas realidades, que a realidade não lhes contempla com aquilo desejado, ou que o propósito criativo resulte em desilusão, em algum ponto do caminho uma chave surge. Esta chave, que pode ser prenúncio de paz, não será encontrada do lado de fora, nas possibilidades externas do nosso ser. Está mais próxima do que parece: está dentro de cada um. Uma vez tangenciada, uma invasão de alegria ocorre. Mas não se trata apenas de alegria; trata-se sim de um nascimento de uma possível maestria. O êxtase experienciado nestes momentos traz o poder de resolver tudo, absolutamente tudo o que está incompleto. Em contato com a própria dor, compreendendo-a e aprendendo a lidar com ela, não apenas traz a cura de si mesmo, como também conduz à compreensão da dor do outro.
Gosto de dizer que somos exploradores do desconhecido ou criadores de um mundo novo.Nossas explorações nesta dualidade nos tem servido para além da imaginação. Um novo tipo de consciência pode surgir, como uma espécie de alquimia que transforma chumbo em ouro. Não se trata de transformar mal em bem, como muitos reportam em suas religiões. Mal e bem são opostos naturais onde um necessita do outro pra existir.A verdadeira alquimia está numa terceira energia, se podemos falar assim: um tipo de consciência que dê conta de ambas as realidades, através da compreensão. É preciso deixar claro que não me refiro à compreensão intelectual, mas fenomenológica. Precisamos ir além destes opostos para criar esta nova consciência capaz de manter a unidade, em qualquer situação. No processo de procurar aquilo que tanto ansiamos, estamos criando bases para a sua existência. Ao explorar o novo, paradoxalmente, estamos criando-o. Não saber quem somos já em si constitui um incentivo à mudança, ao crescimento. Toda ignorância gera medo e o medo gera a necessidade de controlar. O resultado é a luta pelo poder.
A transcendência da dualidade, rumo à unidade, necessita do total desapego. Mas este somente poderá nascer se a dualidade for constatada e vivenciada. No jogo da dualidade, uma polaridade é escolhida: fraco ou forte, otimista ou pessimista, sensível ou insensível…Vivemos a polaridade escolhida até a última possibilidade, ou seja, somos os atores que se identificam com o personagem escolhido. Neste caso, não importa o lado, estamos dominados pela dualidade, completamente. O papéis são tão fortes que nos esquecemos de nós mesmos. Os dramas passaram a ser a nossa principal realidade.O resultado? Solidão e medo!
A dualidade nos convida a viver uma vida emocional instável, a estarmos completamente envolvidos com o mundo exterior ( a auto estima é construida no mundo externo), críticos, etc. Em tudo isso, não estamos realmente presentes.Nossa consciência acaba sendo dirigida por padrões de pensamento cobertos de medo. A tentativa de viver de acordo com a expectativa de outros é o melhor exemplo disso. Reage-se a partir do medo e o comportamento exibido parece ser o de recolher amor, admiração ou algum tipo de cuidado. As partes escondidas de nós mesmos ficam sendo atrofiadas.
Não é difícil mergulhar em si mesmo, como muitos dizem pra depois oferecerem métodos únicos de saída. Podemos fazer isso sozinhos e da nossa forma.Motivação costuma ser mais importante do que qualquer método. Ao entrar em contato com as partes escondidas de si mesmo, uma pessoa se torna mais presente. A consciência se eleva acima dos padrões conhecidos e geradores de medo. Esta consciência pode dar conta das mágoas, ressentimentos, raivas ou qualquer ferida interna.
E, então, o que precisamos fazer para parir este estado de consciência? Em primeiro lugar, escutar a nós mesmos, isto é, ouvir o que as emoções nos tem a dizer; cultivar o silêncio para que esta escuta seja completa; questionar os padrões de pensamentos e as regras comportamentais que estamos mergulhados. Em suma, tornar a consciência capaz de sustentar a dualidade em nossas mãos. É preciso encontrar o ponto certo de ancoragem num centro imóvel. Os filósofos gregos vislumbraram este estado que chamaram de “ataraxia” ou imperturbabilidade. Saímos deste centro ao vivermos o medo. Quanto mais liberamos estas energias, mais nos tornamos serenos. Vai se manifestando externamente a ponto das pessoas notarem algo bom e diferente que talvez nem consigam rotular. As mudanças internas são precursoras das mudanças em nosso mundo exterior. É a consciência que cria a realidade material que habitamos.
Ao experienciarmos o silêncio, pleno de alegria, saberemos que chegamos no lugar que tanto desejavamos. A felicidade não mais estará baseada no material, mas na forma como o experimentamos.
Enfim, a nova consciência, que agora surge, é aquela que nos resgata de sermos refém da continuidade da história. Convida-nos a ser o diretor principal de um enredo próprio. Fazemos a nossa história e, agora mais do que nunca, estamos a ponto de fazer uma marca, talvez nunca vista anteriormente: a de sermos seres com o poder de regressar às origens e resgatar a Luz própria. Mergulhem! Ousem! E se descubram senhores da Vida.

Perspectiva humanista do amor. (do livro de Erthal e Verissimo, Sobre o amor, a paixão, o olhar e as relações humanas)

Numa visão humanista, podemos admitir que o amor é uma escolha e um processo de transformação constante. O objetivo como ser é o amor universal, uma vez que o amor não pode ser excludente. Seu crescimento implica em sua abrangência.O mor por uma pessoa é capaz de despertar o amor por toda a humanidade. Mas, por outro lado, pode não passar de um mimo narcísico para os amantes. Em face disto, a filosofia medieval interpretava o sentido de totalidade amorosa como Deus. Dizia que amar alguém era amar a pessoa em Deus.
” O amor a uma pessoa difere do amor a uma simples coisa. Amamos as coisas em atenção à nossa própria pessoa, a cujo serviço se ama e s consome…O amor puro, sincero e generoso a um ser pessoal, ao contrário, visa a pessoa como tal e a si mesma. ..
Amar sinceramente a outrem significa amá-lo como a nós mesmos, o que só é possível num plano de igualdade…(Boehner e Etienne, História da Filosofia Cristã,1991,p.189)
Se quisermos dizer que o amor enquanto relação amorosa é um crescimento de mãos dadas, precisamos completar tal sentença dizendo que isso pode ocorrer, mas a partir, igualmente, do desenvolvimento concomitante das singularidades. Duas pessoas não vão crescer da mesma forma e ao mesmo tempo. É necessário aceitar que cada uma delas está se comportando como pode naquele momento.É sua jornada pessoal.
Na verdade, viver no amor é o maior desafio da vida. Não se ama para ser amado, mas ama-se para amar. … O amor precisa de liberdade para crescer- não de arbítrio, mas da responsabilidade implicada em cada escolha que envolve não só o eu como o outro todo o tempo. Justamente por isso,não existe um amor certo como modelo único, mas muitas formas de amar. Através do autoconhecimento e do conhecimento do outro, o que não é feito por livros ou manuais de educação sentimental, mas forjados pelas vias da própria existência, de uma afinação sensível que envolve EU e TU, descobre-se que o amor ´algo construído na intersubjetividade e que na experiência amorosa há uma equalização do ama ao próximo como a ti mesmo, ou, o que dá no mesmo, amar a si mesmo é a condição de possibilidade de um amor ao outro.
” …para termos amor próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor- a negação do status de objeto digno do amor- alimenta a autoaversão. O amor próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros.” (Bauman, 2004, Amor Liquido, p.100)
Bauman não se atém, necessariamente, ao horizonte de inspiração de Sartre…, ou seja, a luta das consciências pelo reconhecimento. Trata-se da relação, necessária entre amar e ser amado, ou melhor, amar e sentir-se reconhecido, valorizado. … Como amamos alguém nos ausentando, pela má fé de nós próprios, apenas para cativar e manipular o desejo do outro para apontá-lo em nossa direção?
Estamos, pois, em algum lugar entre o conhecimento de si e a abertura para a inclusão do outro, entre amor ao outro e a autoestima. Na verdade, a existência implica ambos os polos, sem solução de continuidade; por isso, a formulação interessante de Buber, EU e TU.
Segundo Buber, existem duas formas de o ser humano se relacionar. A primeira designa como EU e TU, encontro entre o eu e o outro, onde o acento está no entre, na relação. A segunda chama de EU-ISSO, que é uma atitude objetivante de experiência e utilização. A relação é um evento que acontece entre o ser humano integral e o ente que se lhe defronta. Através do encontro dialógico ocorre a recíproca presentificação do Eu e do Tu. E elo, o entre dessa relação seria o amor. O amor não se encontra fundado, em primeiro lugar, no sentimento. Na dimensão Eu e Tu, o foco está na relação e não na alternância, ora do sujeito, ora do ser humano na condição de objeto. Segundo Buber, o amor é uma responsabilidade que temos para com o outro e é nisso que consiste a igualdade daqueles que amam. Essa igualdade não é nivelamento ou anulação das diferenças. Pelo contrário, é uma afirmação da alteridade, uma posição não mais vertical e hierárquica das relações, num embate perpétuo de poderes pela primazia da posse da liberdade através do olhar do outro…. O reconhecimento pelo outro traz um espelhamento de si mesmo. Tratamos de uma referência à liberdade que se faz na intersubjetividade, cuja máxima reza que, quando escolhemos, escolhemos não só para nós, mas para todos os seres humanos.

Ensaio sobre as relações afetivas. (primeira parte)

 

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Ensaio sobre as relações afetivas. (primeira parte)
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Em nossa experiência de consultório, aprendemos a ler certas experiências justamente pela frequência com que acontecem. Uma dessas é o que se costuma chamar de amor. Muito discutido e desejado, costuma ser o motivo das procuras terapêuticas.Há os que pensam já o ter, como se o amor fosse algo que se manipulasse, guardasse,  escondesse dentro de um lugar, expusesse numa vitrine, vendesse, enfim, como se o amor fosse uma coisa entre outras coisas. Nossa visão é de que o amor não reside, em primeiro lugar, numa relação especial que acontece na vida. Ele pertence às escolhas próprias da pessoa. Mas, ao mesmo tempo, não pertence só a ela. O amor se dá no espaço do “entre”, no espaço de possibilidades aberto entre duas pessoas que escolhem esse aventurar-se no risco-projeto de desenhar este espaço. Por isso, não queremos trabalhar com um humanismo ingênuo, como se a amorosidade fosse um problema exclusivamente remetido a um sentimento universal, da ordem de uma necessidade natural, já posto antes de qualquer relação, como acreditam muitas pessoas, e apenas atualizado pelo disparador que seria o outro. Por outro lado, há que considerar que, se o amor é uma construção cúmplice, antes mesmo que as pessoas estabaleçam uma relação, ou que se sentam magnetizadas por alguém, o modo com que cada um experimenta o sentimento já se encontra esboçado em cada um dos parceiros. Mas não na ordem natural, e sim existencial. Vale dizer, o amor é proposto socioculturalmente em cada época histórica. Um exemplo é a experimentação do amor líquido e do amor romântico, vigentes em nossa época. Sincronicamente, a pessoa quando parte para uma experiência amorosa, o faz a partir de sua história pessoal. A forma de expressar o sentimento, o como se dá a afetividade já se encontra estruturada singularmente em cada um dos parceiros. Ela é construída de acordo com a autoimagem e autoestima, que, na verdade, remetem a um projeto original de cada pessoa. Neste âmbito, a afetividade se estrutura, de início a partir de uma finalidade que é definida na escolha original de si mesmo.
Somos seres amorosos. Essa proposição já deve ter sido aprendida desde as relações parentais. Revela nada mais do que um conceito abstrato. Entretanto, partimos para a ilusão de que o amor chegará num cavalo alado, ou que o amor é uma coisa essencial, e tudo o que devemos fazer é aprender como nos adequar a ele. Essa ilusão é nutrida nos romances, novelas, filmes,etc. Isso porque a ideia cultuada é a do amor como um encanto, e quem não gosta de um tempero de magia? Alem do mais, transferir a responsabilidade para o destino, e incluir o outro e a relação nessa receita, tem sido um sonho bastante comum. Na verdade, o que vem de dentro ou de fora é apenas o motivo que arrolamos para justificar as nossas próprias escolhas. A relação amorosa pode provocar um terremoto sentimental. Ele é de ordem da práxis: das ações e do desejo. Segundo Veríssimo, inspirando-se em Buber, “ o desejo é passível de se transformar quando passa… do papel que cada um desempenha para a relação cara a cara, para a relação que esconde, que oculta, mas também revela , desmascara.” O cenário que idealizávamos uma relação, nós próprios, o outro, agora não é mais presa tão fácil do conto de fadas que contamos ou queremos ouvir. A relação convida a um tornar a nos ver: pelo olhar do outro, pela própria dinâmica da interação com ele, pelo nosso interesse em nos avaliar como consciência de si na relação. Nisso, podemos nos modificar, pois o nosso ser está em ebulição numa relação amorosa. Podemos, por outro lado, insistir em nos manter no isolamento e na idealização, assim como, uma vez na relação, insistir em sustentar indefinidamente a encenação que forjamos. Desse modo, permanecemos como o personagem Garcin, insistindo em querer acreditar que o inferno são os outros.A propósito, Zinker afirma que “o conflito interpessoal costuma decorrer do conflito intrapessoal”. Negando seus conflitos, a pessoa projeta-os em alguém, já que é mais fácil enxergar o mal nos outros. Se estamos em dois mundo narcísicamente fechados e separados, como é possível coabitar o mesmo espaço, compartilhar experiências num espaço comum? O meu mundo, como conheço, é a própria contextura do modo como é pra mim, ou seja, como aparece pra mim, não exclusivamente o meu mundo, mas também o seu, um mundo partilhado. O compartilhar uma experiência comum pode ser indicativo de um elo genuíno entre as duas pessoas, assim como a mais abjeta sujeição.

VIVENDO SEM NUVENS
Prof. Horácio Frazão

Uma pessoa desatenta, é uma pessoa que estará a mercê de tudo, inclusive da sua própria mente.

Quando você está a mercê da própria mente, grande parte da sua energia é desperdiçada em reações a falsas expectativas (medo). É como se houvesse nuvens de ilusão que não lhe deixam ver a realidade e entrar no real. É possível passar uma vida inteira se debatendo em ilusões, sem ter sequer um instante de verdade.

É fundamental usar o poder do observador e praticar a observação dos próprios processos mentais, para aumentar a consciência de que você é quem observa e isto lhe colocará no teu centro. É desta forma que você irá gradualmente se instalar no AGORA.

Podemos o tanto que acreditamos poder.
Sua capacidade poderia ser ilimitada se nisso acreditasse.

Mas o acreditar só tem força quanto maior for a sua capacidade de estar no agora ou o quanto você consegue impedir que a mente lhe desvie o seu foco. É possível manifestar a cura, encontrar o amor, gerar prosperidade se você for capaz de se tornar o observador da sua própria vida.

Quando você mantiver o ato de observar a sua mente de forma contínua, você habitará o teu centro e o seu foco atingirá um outro nível; um nível capaz de ativar qualquer onda de possibilidade em realidade. Portanto, viva sem nuvens. A chave é o próprio ato da observação e ele é parte de quem você é.

A importância da percepção:

Percepção é a capacidade de expandir nossa visão para além das experiências, assim como intuição perceptiva transcende a propria vivência desta percepção. Enquanto na percepção registramos a nossa relação com os acontecimentos, na intuição a verdade já nos é dada, sem precisar de qualquer prova de realidade. Mas para que cheguemos a ela, primeiramente temos que expandir nossa percepção, incluindo novos potenciais energéticos, de modo a nos movermos da ilusão limitada para uma visão mais expandida, incluindo novas possibilidades para realidades qualificadas, criativas.
É necessário estar consciente, de olhos bem abertos, simplesmente no presente. Quando estamos conscientes, a mente está envolvida até um certo ponto. Quando somos perceptivos, especialmente quando tocamos na intuição, algo mais se efetua. Há mais do que uma leitura daquilo que percebemos. Percepção é um estado de cognição expandido e compõe a base para os novos paradigmas.
Tudo leva a cre que a percepção é a nossa amiguinha, já que nela as ilusões se evanecem. Contudo, tudo pode ser traumático. O mundo que conhecemos e no qual aprendemos a confiar, começa a desaparecer como elemento estável, como a zona de conforto de nossas vidas. A percepção abre nossos olhos e começamos a de fato enxergar, o que não é uma tarefa fácil pra quem vinha caminhando no escuro. Este tipo de percepção acontece quando estamos mais conscientes, no presente, sem o uso de subterfúgios, antes usados para fugir da realidade. É como se assumissemos o poder de nossas vidas! Algo que parece bem simples, não fossem os anos de treinamento social que mascara tudo para suportar melhor.
Na percepção adequada estão contidos os recursos que precisamos para mudar nosso caminho de vida, reinvidicar nosso natural poder, acreditar na nossa força, sujos pelo lamaçal social. A percepção nos fornece a dádiva do entendimento, ainda que envolvida em verdades não tão prazerirosas no momento. Precisamos enxergar o potencial por trás daquilo que nos parece a maior calamidade de nossas vidas. Confiando que a percepção é apenas o inicio da jornada, podemos descobrir o seu poder.
Destruida a ilusão, parte da percepção pode encolher a realidade nutrida por nós. Contudo, há uma expansão de nossas possibilidades, desde que não fiquemos apegados à culpa ou à vergonha. Auto críticas são normalmente experimentadas, mas isso tende a diminuir com o avanço da percepção. Se algo nos encomoda, e não o queremos mais em nossas vidas, teremos que pegar uma nova rota. Claro que certas “quedas” são naturais, pois se trata de um novo caminho e ficamos inseguros nele.
A percepção é uma energia expansiva. Quanto mais focados na percepção, maior a gama de possibilidades à nossa frente. Entretanto, se usarmos a percepção para nos condenar, dificilmente sairemos do buraco que criamos, tal é o seu poder. A única forma de sair destas situações é voltar para a propria percepção e, como se pedissemos ajuda a ela, repousar o olhar acrítico na vivência, excluindo todo o tipo de julgamento. Mais uma vez, a percepção é a chave para a fonte de energia de mudança inesgotável.
O medo é o principal opositor. Medo de ver o que não queremos saber, ou que teremos que explorar novas realidades, tiram-nos da zona de conforto. Como sabemos, a escolha é nossa. Abrindo a porta para a percepção, sem receios, com aceitação, convidando-a amorosamente a fazer parte de nossas vidas, todo o esforço inicial será compensado.
O resultado será um aumento cada vez maior da visão do mundo externo e interno, deixados os julgamentos para o velho mundo. É isso mesmo, criamos um novo mundo pra nós e depois de tudo vem o brinde: a percepção se transforma em intuição.Este é o momento que sentimos a realidade sem precisar da experiência dos cinco sentidos. Mas isso é um passo adiante e que todos chegarão se trabalharem nas suas percepções diárias.
Boa viagem nesta busca