Recebi um video, feito por Luis Henrique Brick, representando um cliente que apresento no livro Contas e Contos na Terapia Vivencial. Trata-se de um padre que apresentava um conflito entre o amor por Deus e o amor por uma mulher. O cliente da historia aprendeu sobre si dentro de um referencial religioso e misturou-se a ele. Sua religião ,assim como a forma de expressá-la, era uma maneira de conseguir aprovação,de poder ajudar aos outros e a de ser um homem-deus. Para reconstruir sua vida,tinha ele que reconstruir sua imagem. No choque entre as escolhas que se apresentavam a ele,viu-se obrigado a se olhar. Poderia sentir a sua fé,mas não precisava torná-la tão esmagadora. O Deus que o amava poderia compreender o seu homem. Foi ai que inventou uma saída e pode reconduzir sua fé de uma forma mais humanizada.
Este caso traz reflexões importantes sobre a moralidade vigente. A moral sempre foi imposta de uma forma normativa numa cultura. Questioná-la implica em ficar à margem da maioria.É que a moral tradicional pretende-se eterna e estável, embora a normatividade seja falsificadora da liberdade humana. O individuo, sendo um artífice de si mesmo, precisa se reinventar sempre. Nada está pronto e o que nos é imposto precisa passar pelo crivo da subjetividade. Devemos discriminar entre os valores que adquirimos, e nem pensamos se nos faz bem,e aqueles que realmente criamos. Devemos avaliar o conjunto de leis morais: o certo e o errado, o bom e o mau, são expressões de uma época, assim como de uma vivência particular. Claro que existem valores mais universais por expressarem dados mais aceitáveis pela maioria( não machucar os demais,por exemplo),mas ainda assim é necessário questionar se acreditamos e levamos pra nossa vida prática. Um mergulho no próprio eu se faz necessario e é o único centro de referência adequado.
Somos os criadores do mundo em que vivemos, assim como criadores de nosso eu. O que escolhemos é o que somos. Se quisermos ser felizes,temos que mergulhar nestas águas profundas e fazer a viagem. Não há o que temer. Somos perfeitos e podemos acreditar que quando entramos em contato com este núcleo, só recolhemos coerência, alegria, ausência de dor.
Isso me faz lembrar algo que aconteceu comigo há alguns anos: tinha uma consulta com um médico e fui sozinha. Lá,ao contar o que se passava comigo,chamei o médico de “você”.Sua resposta foi bastante estranha,pois me corrigiu e disse que era para eu lhe chamar de “senhor”, que a esposa trabalhava com ele,embora ali não estivesse naquele momento.À medida que falava, focava a sua atenção no rótulo e perdia a atenção em mim,naquilo que tinha ido buscar. Senti uma espécie de empurrão e já não tinha interesse em continuar a consulta. Tinha vinte anos e pouca vivência pra explicar o meu ponto de vista. Ele parecia estar mais preocupado com a forma como eu o tratava do que com a sintomatologia apresentada. Será que ele se sentia mais respeitado com o “senhor”, ou será que temia a atitude de sua mulher? De qualquer forma,ele não seria o meu médico. Tratava meu pai de você sem susto,pois o que eu aprendi com ele foi ter atitude de respeito. Este exemplo demonstra como aprendizagens entram em nosso sistema sem nem mesmo questionarmos. O que este médico conseguiu foi perder um cliente, pois me senti criticada, o que acabaria com a minha espontaneidade.
Assim são as pessoas com seus repertórios de respostas. Elas reagem segundo uma serie de normas e valores que adquiriram e nem se dão conta de que precisam se atualizar,exatamente igual a um computador.
O conhecimento interior consiste naquilo que pode ser simbolizado. O individuo reage ao mundo conforme o percebe e o experimenta. Este campo de percepção é a realidade do individuo, não reagindo ele a estímulo externo, nem aos seus distúrbios internos,mas à experiência. É a realidade subjetiva que determina seus comportamentos. Isto explica porque as pessoas reagem diferente à mesma situação.
Algumas percepções são comprovadas, ou o são de forma inadequada levando o individuo a comportar-se não realisticamente e, às vezes, até em detrimento próprio. É importante saber como pode uma pessoa distinguir entre uma imagem subjetiva, que não seja a realidade, daquela que o é. Este é o paradoxo da fenomenologia. Na verdade, o que ela experimenta, ou pensa, ainda é uma hipótese que deverá ser comprovada, ou não, em função da comparação advinda de muitas fontes de informação. Ele ainda não aprendeu em confiar apenas em si mesmo, coisa que virá com a experiência e maturidade. O auto-conhecimento não se faz sem luta ou sofrimento, mas quando se os aceita plenamente, a capacidade de auto-criar-se aumenta.
A percepção é seletiva e o critério básico para a seleção é a coerência com a auto-imagem do momento. É a auto-imagem que determina os tipos de experiências que serão aceitas. Sentimentos rejeitados podem expressar-se por meio de uma simbolização distorcida, para manter a imagem inalterada. Poderia uma pessoa negar uma ameaça à auto-imagem sem primeiro ter conhecimento da ameaça? De acordo com C. Rogers, tal conhecimento pode ser sub-aceito, isto é, aparece num nível de discriminação abaixo do nível de conhecimento, o que para Sartre é chamado Consciência pré-reflexiva. A ansiedade é o sinal de perigo que aciona todo o mecanismo de afastamento, tudo pra manter a consitência da imagem. O que fazer? Sob condições não ameaçadoras à estrutura do eu, as experiências, antes negadas, podem ser revistas. Quando uma pessoa aceita todas as suas experiências, necessariamente se torna mais compreensivo com os demais. Seu antigo sistema de valores passa a ser revisto e é substituído por um mais atual. Um ajustamento saudável deve ser aquele no qual a pessoa avalia constantemente as suas experiências para averiguar se requerem mudança. A rigidez impedirá que ela reaja eficientemente a novas experiências. Muitos conflitos surgem deste viés. Como seria mais fácil se houvesse auto-conhecimento! Esforço é necessario pra isso.É hora de examinarmos as nossas escolhas na vida. O que de fato é meu? O que ganho com isso? Por que me sinto mal com esta ou aquela expressão e não consigo sair dela?
Se pararmos para olhar, veremos que a maior parte dos problemas vem de uma comunicação anterior errada, ou , pelo menos, incoerente conosco. Portanto,mãos-à-obra! Construa a sua vida! Não permita que nenhum sistema normativo indique pra você uma resposta, sem antes avaliá-la. Somos deuses criadores e nosso mundo depende desta conscientização.
Observção: O caso citado consta no terceiro livro da Trilogia da Existência,ed. Honoris Causa. O vídeo gravado pode ser visto. Caso você se interesse, mande um email para [email protected]
Queria corrigir o endereço de Luiz: [email protected]