A apreciação da arte e da beleza
Tereza Erthal

A área de atuação da estética mostra-se bem ampla, pois abarca a produção do belo, tanto na natureza quanto na arte. Mas, o território da estética é particularmente problemático pelo fato de seu objeto não ser definido com muita clareza. Deve-se limitar ao campo da arte ou abranger também a beleza natural? Cabem-lhes vivências muito diversas.
Quais os fundamentos que regem o belo e a arte? A situação do homem aponta o enraizamento na singularidade da vida e na sua historicidade. O homem tem um modo próprio de participar da realidade e é este modo peculiar que se manifesta na arte e na sua compreensão da beleza. A arte e a beleza, se não forem autênticas, isto é, se repetidas e vazias, podem parecer robotizadas. A nova geração se interessa por arte, de fato? Consegue identificar realmente o que seria o belo? O adolescente está muitas vezes mais à vontade diante da tela do computador do que com um livro entre as mãos. Esta tem sido a sua linguagem. Ora, o ser humano é criativo desde a mais tenra idade, independente do setor de atividade que se propõe a criar. Cabe a ele pensar ininterruptamente nas suas múltiplas implicações e nas variadas modalidades de desdobramento. Pela criatividade, cabe a ele acrescentar ao mundo o que a natureza, por si mesma, não lhe fornece. Cria aquilo que precisa sem qualquer potencialidade embutida.
Preferir o belo ao feio passou a fazer parte da condição humana, tão natural quanto a busca da saúde ou a evitação da doença. Isto não impede que o feio possa comparecer na arte. Entretanto, hoje, ao ouvirmos segmentos da cultura se posicionando a favor de uma maior amplitude do conceito de arte, anulam-se os processos qualitativos, na medida em que, simplesmente, considera-se que tudo seja arte ou que tudo seja belo. Parece uma justificativa, como defesa em causa própria, dos falsos artistas que parecem querer apenas se beneficiar por ela. A sociedade está em crise, vivendo uma espécie de autoengano, por simplesmente negar os critérios que distinguem o artístico do não artístico. Numa sociedade na qual os indivíduos precisam reagir da mesma maneira, o não cumprimento disso leva a pessoa a não corresponder à expectativa dos que a cercam, fato que demonstra o aniquilamento do pensamento independente. E, sem a consciência disso, a pessoa imagina-se livre em sua criação. Embora livre em condição, o arbítrio humano é facilmente manipulável pelos que tem o dom da persuasão.
Sabemos que os valores tendem a ser modificados de uma época para outra. Onde um indivíduo vê o belo, outro talvez o enxergue como feio. E o mesmo homem pode modificar seu juízo estético, vindo a apreciar o que antes repudiava. A vivência estética é tingida de subjetividade e de oscilação valorativa. Assim, o feio desfruta de um grau de legitimidade tão espontâneo quanto o belo. E qual seria o critério deste valor? Na contemporaneidade o que parece predominar é a utilidade como referencial comparativo. Cada vez mais o homem é mensurado a partir de sua utilidade. Cada cultura cristaliza uma espécie de hierarquia de valores e é desta forma que constrói a sua própria coesão. Na Idade Média, por exemplo, o assunto básico na arte era o religioso. A Virgem Maria constituiu a transmissão máxima da beleza possível da mulher.
É possível que o plano estético se choque com o da lógica, já que está em constante contato com a beleza. É possível que nossa apreciação pelo belo seja embotada pela acomodação pessoal, uma espécie de conformismo aos ditadores do consumo. A mídia conduz ao anestesiamento do senso crítico, na maior parte das vezes. Então a arte está ausente de critério? A própria escolha pela ausência de critério não deixa de ser uma forma de critério. O belo e o artístico pertencem à categoria do “ bem feito” .A arte seria bem feita se a obra obedecesse às intenções do seu autor. Comandado por uma massa generalizada, abriria espaço para o que se chamaria de imperfeição. O indivíduo anular-se-ia perante uma coletividade que tudo assimila e ao mesmo tempo determina, abdicando de sua singularidade.
Embora a arte e a beleza careçam de definições unívocas, isto não autoriza uma definição particular de cada um. Ao dizer que tudo é arte e tudo é belo, seria o mesmo que dizer que nada é belo ou é arte, pois são vazias de sentido. A experiência estética não é mera fantasia; é requerido, ao contrário, lucidez para a apreensão da beleza. A dimensão social, o movimento da história e a própria subjetividade devem ser consideradas na compreensão de uma obra de arte.
O gosto estético deve ser descrito de dois modos: empírico subjetivo e conceitual objetivo. Embora participe dos dois, não se funde a nenhum deles. A beleza pertence ao rol das qualidades, uma exigência do humano. Tomando a compreensão estética como traço da condição humana, ou seja, algo desenvolvido, precisamos realçar a existência em sua forma valorativa, sempre destinada a se modificar de acordo com o contexto histórico. Veja o conceito de genialidade, por exemplo. A genialidade não é democrática, mas se restringe a pouquíssimos escolhidos. Nem sempre uma sociedade reconhece um gênio, dando-lhe o real valor. O gênio de Proust, entre outros, é a totalidade de suas obras, não algo inato, como alguns acreditam. Sua genialidade repousa no esforço desenvolvido em cada texto criado por ele. Nada lhe foi dado de forma gratuita. E o contra senso é demonstrado no fato de que a mesma terra que gerou artistas como Rembrandt e Van Gogh, também produziu o Big Brother! O pior pecado da cultura é a mediocridade.
As coisas não são nem boas ou ruins em si mesmas, como muitos querem acreditar. Tudo vai depender do uso que dela se faz. A cultura ocidental, que mesmo antes da globalização já havia se tornado ampla em sua magnitude, está em crise. Cada vez mais as culturas tendem a se igualar, moldadas pelos padrões vindos da cultura de massa. É uma crise de sentido! O exótico passa a ser incluído na dignidade da norma.
É necessário resgatar a singularidade existente em todos nós. Somos criadores de nós mesmos e, por isso, somos a nossa principal obra de arte! Talvez seja preciso reeducar o nosso olhar para, a partir dele, enxergar a verdadeira realidade em toda a sua tonalidade, assumindo a responsabilidade da escolha consciente.