Cada relacionamento é um espelho que revela sua própria identidade.

Tereza Erthal

 

Cada aspecto da personalidade se reflete nas escolhas que fazemos na vida. Tornamo-nos alguém porque estabelecemos relações e nessas relações, espelhamos parte de nós mesmos. Tomemos como exemplo a claustrofobia: transtorno que significa medo, ou mal estar, diante de lugares fechados, sentidos como opressores. O que o indivíduo quer é restaurar sua liberdade, mas se vê impedido, aparentemente por algo externo. Incapaz de se ver com condições de restaurá-la, foge das situações que tanto o ameaçam. Contudo, de acordo com a sua ótica, suas escolhas estão permeadas por seus medos. Escolhem pessoas que reforçam, muitas vezes, tal realidade. Uma relação claustrofóbica é aquela cujo(a) parceiro(a) é um opressor e assim a mesma situação é vivida, reforçando a atual visão. É porque somos uma estrutura cujas partes se integram sempre. Assim, tal pessoa deseja ser livre, mas teme a própria liberdade.

Evidentemente que não é com o conhecimento puramente racional que essa situação termina; é preciso vivenciá-la. Contudo, a conscientização da dificuldade criada faz a pessoa a faz explorar áreas jamais antes visualizadas. O que ela faria com uma relação livre de opressão? Talvez não a suportasse. Isso porque o repertório de respostas apenas se volta para este foco. Enquanto tratarmos somente da situação externa, não eliminaremos o real problema: o medo à liberdade.

Em geral, “o homem se tornou um escravo, embora se julgue um senhor.” ( E. Fromm). Significa que está escravizado a máximas falsas que parecem levar o foco da sua vida para este mesmo lugar. Todos devem assumir sua existência e a responsabilidade dos seus atos e isso é parte da interpretação do eu. A pessoa não é apenas feita pela História, mas também é ela que a faz. E isso tem a ver com as relações. O indivíduo não pode viver sem uma certa cooperação de outros, pois a menos que sua vida tenha significado e rumo, será esmagado pela sua insignificância pessoal. Não será capaz de se relacionar com nenhum sistema que proporcione um significado e um rumo à sua vida, ficará cheio de dualidades e isso o paralisará na sua capacidade de agir, de viver.

Caso o indivíduo ainda não tenha cortado o cordão umbilical que o prende ao mundo externo, ele não é totalmente livre. Esses vínculos dão-lhe segurança e  a sensação de pertencer a algum lugar.Se a criança cresce estimulada a romper tais vínculos, ela procura a liberdade e a independência. No contínuo segurança-desenvolvimento, ruma ao risco do crescimento, já que conquistou a sua segurança. O oposto disso é a solidão- a submissão é o modo de evitar o isolamento e a ansiedade. Mas ainda existe  outro modo: o vínculo espontâneo do homem com a Natureza, uma relação que liga o indivíduo ao mundo, sem eliminar sua individualidade.

Se cada passo em direção à separação e à individuação fossem acompanhados de um crescimento paralelo do eu, o desenvolvimento da criança seria harmonioso. Mas isso não acontece. O crescimento do eu é obstado por diversas razões individuais e sociais. O hiato entre eles causa um sentimento intolerável de isolamento e impotência que, por sua vez, leva a mecanismos psíquicos conforme julga. A existência humana e a liberdade são inseparáveis- liberdade de ( não para), liberdade de determinação de suas ações.

Desde o princípio da existência o indivíduo se vê confrontado com a necessidade de escolha entre diversas linhas de ação. Isso nos leva ao mito bíblico da expulsão do homem do Paraíso. Agir contra o comando da autoridade, cometendo pecado, é o primeiro ato de liberdade, o primeiro ato humano. O pecado, em seu aspecto formal, é a ação contra o comando de Deus; em seu aspecto material, é o ato de comer da árvore da sabedoria. O ato de desobediência como um ato de liberdade marca o nascimento da razão. Mas  a recém conquistada liberdade parece-lhe como uma maldição; ele está livre do doce cativeiro do Paraíso, mas não está livre para governar-se, para realizar a sua individualidade.

O crescimento da liberdade humana sofre o mesmo aspecto dialético do crescimento individual. É um processo vigoroso de integração, domínio da Natureza, poderio da razão humana e solidariedade. Mas, por outro lado, nasce na pessoa um crescente isolamento, uma aumentada insegurança e uma insuportável impotência.

Só há uma solução possível e produtiva para o relacionamento do indivíduo com o mundo: sua solidariedade. Atua com todos os homens em sua atividade e trabalho espontâneo, que estabelece um elo cada vez maior com o mundo, não por meio de vínculos primários, mas como indivíduo livre e independente.

Em termos gerais, o processo social ao determinar o modo de vida do indivíduo, isto é, sem relação com os outros e com o trabalho, molda a estrutura do seu caráter; novas ideologias (religião, filosofia e política) resultam dessa estrutura do caráter assim modificada e exercem um atrativo sobre ela, intensificando-a, satisfazendo-a e estabilizando-a. Os novos traços de caráter tornam-se fatores úteis na ulterior evolução econômica e influenciam o processo social.

O indivíduo moderno se encontra em uma situação em que muito do que ele pensa e diz não adquire da capacidade de pensar originalmente, por si mesmo. Esta é a única forma que pode dar conteúdo à sua alegação de que ninguém pode interferir na manifestação de suas idéias.

Estamos fascinados pelo aumento da liberdade de poderes fora de nós e cegos para as nossas restrições, compulsões e medos interiores, que tendem a solapar o significado das vitórias alcançadas pela liberdade contra seus inimigos tradicionais. Porém, temos que obter um novo tipo de liberdade, aquela que nos habilita a realizar nosso próprio eu individual, a ter fé nesse eu e na vida.