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Ensaio sobre as relações afetivas. (primeira parte)
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Em nossa experiência de consultório, aprendemos a ler certas experiências justamente pela frequência com que acontecem. Uma dessas é o que se costuma chamar de amor. Muito discutido e desejado, costuma ser o motivo das procuras terapêuticas.Há os que pensam já o ter, como se o amor fosse algo que se manipulasse, guardasse, escondesse dentro de um lugar, expusesse numa vitrine, vendesse, enfim, como se o amor fosse uma coisa entre outras coisas. Nossa visão é de que o amor não reside, em primeiro lugar, numa relação especial que acontece na vida. Ele pertence às escolhas próprias da pessoa. Mas, ao mesmo tempo, não pertence só a ela. O amor se dá no espaço do “entre”, no espaço de possibilidades aberto entre duas pessoas que escolhem esse aventurar-se no risco-projeto de desenhar este espaço. Por isso, não queremos trabalhar com um humanismo ingênuo, como se a amorosidade fosse um problema exclusivamente remetido a um sentimento universal, da ordem de uma necessidade natural, já posto antes de qualquer relação, como acreditam muitas pessoas, e apenas atualizado pelo disparador que seria o outro. Por outro lado, há que considerar que, se o amor é uma construção cúmplice, antes mesmo que as pessoas estabaleçam uma relação, ou que se sentam magnetizadas por alguém, o modo com que cada um experimenta o sentimento já se encontra esboçado em cada um dos parceiros. Mas não na ordem natural, e sim existencial. Vale dizer, o amor é proposto socioculturalmente em cada época histórica. Um exemplo é a experimentação do amor líquido e do amor romântico, vigentes em nossa época. Sincronicamente, a pessoa quando parte para uma experiência amorosa, o faz a partir de sua história pessoal. A forma de expressar o sentimento, o como se dá a afetividade já se encontra estruturada singularmente em cada um dos parceiros. Ela é construída de acordo com a autoimagem e autoestima, que, na verdade, remetem a um projeto original de cada pessoa. Neste âmbito, a afetividade se estrutura, de início a partir de uma finalidade que é definida na escolha original de si mesmo.
Somos seres amorosos. Essa proposição já deve ter sido aprendida desde as relações parentais. Revela nada mais do que um conceito abstrato. Entretanto, partimos para a ilusão de que o amor chegará num cavalo alado, ou que o amor é uma coisa essencial, e tudo o que devemos fazer é aprender como nos adequar a ele. Essa ilusão é nutrida nos romances, novelas, filmes,etc. Isso porque a ideia cultuada é a do amor como um encanto, e quem não gosta de um tempero de magia? Alem do mais, transferir a responsabilidade para o destino, e incluir o outro e a relação nessa receita, tem sido um sonho bastante comum. Na verdade, o que vem de dentro ou de fora é apenas o motivo que arrolamos para justificar as nossas próprias escolhas. A relação amorosa pode provocar um terremoto sentimental. Ele é de ordem da práxis: das ações e do desejo. Segundo Veríssimo, inspirando-se em Buber, “ o desejo é passível de se transformar quando passa… do papel que cada um desempenha para a relação cara a cara, para a relação que esconde, que oculta, mas também revela , desmascara.” O cenário que idealizávamos uma relação, nós próprios, o outro, agora não é mais presa tão fácil do conto de fadas que contamos ou queremos ouvir. A relação convida a um tornar a nos ver: pelo olhar do outro, pela própria dinâmica da interação com ele, pelo nosso interesse em nos avaliar como consciência de si na relação. Nisso, podemos nos modificar, pois o nosso ser está em ebulição numa relação amorosa. Podemos, por outro lado, insistir em nos manter no isolamento e na idealização, assim como, uma vez na relação, insistir em sustentar indefinidamente a encenação que forjamos. Desse modo, permanecemos como o personagem Garcin, insistindo em querer acreditar que o inferno são os outros.A propósito, Zinker afirma que “o conflito interpessoal costuma decorrer do conflito intrapessoal”. Negando seus conflitos, a pessoa projeta-os em alguém, já que é mais fácil enxergar o mal nos outros. Se estamos em dois mundo narcísicamente fechados e separados, como é possível coabitar o mesmo espaço, compartilhar experiências num espaço comum? O meu mundo, como conheço, é a própria contextura do modo como é pra mim, ou seja, como aparece pra mim, não exclusivamente o meu mundo, mas também o seu, um mundo partilhado. O compartilhar uma experiência comum pode ser indicativo de um elo genuíno entre as duas pessoas, assim como a mais abjeta sujeição.
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