Por uma Psicoterapia como Filosofia Viva.
Tereza Erthal
Apesar das mudanças radicais a que a humanidade vem se expondo, os problemas que se avolumam parecem ser os mesmos, ou da mesma natureza. Angustias e incertezas existenciais ainda geram sofrimento e dor. Este trágico quadro retrata a vida dos homens envolvida por dificuldades, crises e conflitos, que não se resolve pelo auto-conhecimento ou apoio da razão discursiva. O entendimento do que é fundamental parece escapar, de alguma forma, ao conjunto de psicoterapias e análises que se apresentam. Como bem nos disse Gerd Bornheim (1992), “a expansão, entre nós, das atividades psicológicas, de seu estudo, sua pesquisa e sua terapia, constituem de toda evidência um fato que se impõe por razões que encontram o seu esteio na própria necessidade – ou melhor: numa espécie de radical ambigüidade; quero dizer que o homem de nosso tempo equilibra-se na corda bamba que se estende entre o ancoradouro seguro de um humanismo triunfante,calcado na confiança de um eu que se queira autônomo, dono de todos os meios de que pudesse dispor, inventor de uma realidade humana enfim universal, e, no outro extremo, o turvo horizonte que vem embasando os discursos sobre a dissolução do eu…”
Não nos surpreende a enorme diversidade de perspectivas em que se vem analisando a realidade humana, dentro e fora da Psicologia. O homem se apresenta de vários ângulos e sendo muitos, se oferece como interdisciplinar – filosófica, antropológica, biológica,etc. Contudo, todas atestam a sua imprescindível importância e se recusam a uma visão mais globalizante e includente. É certo que todas as contribuições que tentam compreender o Homem são válidas, mas não autorizam que sejam as únicas nesta tarefa.
Questiona-se se a psicoterapia está perdendo o seu campo para práticas alternativas com o objetivo de atingir soluções mais rápidas. Alternativas a quê? O Humanismo, por exemplo, surgiu como uma resposta alternativa à Psicanálise e ao Behaviorismo ortodoxo; o Existencialismo, além dos anteriores, faz frente ao próprio Humanismo que se baseia na essência. Cada teoria responde, de algum modo, a alguma outra, na esperança de encontrar respostas mais completas para compreender o ser humano. Neste sentido, todas as práticas psicoterápicas são alternativas! Questiona-se sobre a grande procura a tarólogos, terapias florais, numerólogos, etc, como busca de auto-conhecimento. Pelo que me consta, práticas como estas sempre estiveram presentes e aguçaram a curiosidade humana, não impedindo a procura de clinicas psicoterapêuticas para o conseqüente desenvolvimento pessoal.
O mundo está em crise e não vamos ser prepotentes e arrogantes acreditando que esta crise somente possa ser cuidada por nós, psicoterapeutas. Qual a nossa contribuição à compreensão dessa crise? A necessidade dessa avaliação, e de uma auto-avaliação, torna-se urgente. Precisamos de uma Filosofia Viva, distanciada de um mero sistema especulativo. É necessário que essa filosofia produza um impacto no viver e seja um instrumento de plena utilidade para a compreensão dos problemas existenciais. Reflexão e ação devem estar unidas a uma preocupação com a ética e ao despertar da intuição, tão contaminada pela influência do racionalismo. “Não sabemos radicalmente o que é o modo de ser da vida nem em que consiste a essência vital da morte. E não sabemos, por nos contentarmos com pouco, com algumas representações operativas e idéias de papel sobre a realidade nas realizações da vida e no desempenho dos seres vivos. E nos contentamos com este pouco porque temos os ouvidos saturados de ciência. O alarido da técnica e o progresso da civilização nos fazem cair na tentação de esperar que a biologia, a psicologia, a antropologia, a sociologia, a psicanálise, a historiografia, etc, nos digam o que é a vida e em que consiste o viver.” (Carneiro Leão,1989) O que de mais importante se escapa: a preocupação tem que ser o viver! Nas palavras de Sartre, o homem nunca é um singular individual, mas um singular universal: universal, pela universalidade singular da história humana; singular, pela singularidade universalizante de seus próprios projetos. O proto já implica a noção de uma pessoa como unidade sintética, inserida num meio, sofrendo várias influências. É certo que inicialmente existe uma influência do mundo na contribuição da organização do ser. Posteriormente, há uma ultrapassagem daquilo que o mundo fez ou faz do indivíduo. Se antes ele era um constituído, através da ação ele supera a passividade do resultado. A compreensão do viver depende da compreensão desta ambigüidade.
O enfoque relacional traz ai uma contribuição fundamental: a relação “eu-tu” passa a ser compreendida a partir do “nós”. O egoísmo é substituído pela auto-compreensão incondicional, deixando pra trás todo o tipo de bases competitivas na vida. Se a realidade acontece quando a vemos e como a percebemos, e se a psicologia enfatiza os relacionamentos e assenta o individuo em virtude de sua própria natureza no mundo do ser, o individuo que já estabeleceu um compromisso com os outros ou com a natureza, não deverá desenvolver uma base narcisista de solidão, vazio, alienação. Ele não é uma ilha, mas parte de um continente. Ele e o outro perfazem uma unidade e percebendo a unidade, os problemas do mundo passam a ser vistos como seus; o sofrimento do outro é o seu próprio sofrer. Trata-se sim de entender o que esses sofrimentos são em nós mesmos. Precisamos de uma filosofia da existência para buscar um entendimento transformador. Ao invés de se enxergar o mundo como em constante movimento, tem-se a ilusão de permanência, conveniente, de conseguir o controle, fruto desta consciência individualista.
Muito me entristece ver que muitos de nossos colegas terapeutas ainda permanecem nesta visão ilusória e pobre. Competições sobre linhas, ou dentro da mesma linha de atuação, é mais um embate pessoal travado na vã tentativa de se sentir acima do outro. Chega-se ao ponto de se inventar babaridades sobre um bom profissional para que, neste ato, o acusador possa ser beneficiado em imagem. Que engano fatal! O outro continua sendo a referência! Quer mais foco dado ao colega do que esse?
Evoluir de uma consciência individual para uma grupal é uma das possíveis soluções para se encarar uma crise. Mas, como em tudo, existe um ônus: grandiosas mortes internas são necessárias. Se nos ativermos à idéia de que falta ao mundo essa compreensão do “nós”, resultando em competitividades abusivas, reforçando o olhar “umbilical” alienante, poderemos entender que uma psicoterapia viva e atuante precisa englobar a consciência totalizante. Considerando que não se pode transcender àquilo que não se conhece, parece óbvio que a consciência individual e o mundo fenomênico são o ponto de partida.Com a transcendência, o sofrer em si dá lugar à preocupação em reduzir o sofrer do outro.
Sinceramente, não acredito em nenhum profissional que ressalta a sua prática em detrimento das demais. Isso, pra mim, indica que, se não há respeito quanto as diversas formas de se tentar chegar a compreensão e a mudança, dificilmente estes profissionais respeitarão as divergentes visões de seus clientes, impondo-lhes a sua própria. Acreditem, isso existe, seja em que prática for! Talvez, nós terapeutas, possamos pôr à prova nosso sistema de valores, e, eventualmente, descobri-lo inalterado, inerte, de tal forma que não nos permita ultrapassar a nossa própria história. Portanto, mãos à obra nesta caminhada, abandonando qualquer forma de estagnação! Podemos então usar uma frase conhecida: “você traz a solução ou faz parte do problema?”